ANUNCIE AQUI
Nem só de caramelos é feito o universo canino nacional. Se o filme sobre um vira-lata brasileiro conquistou sucesso internacional da Netflix em outubro, mostrando a popularidade e o carisma das raças não definidas, o setor das raças definidas também vive destaque.
O Brasil caminha para, oficialmente, ter mais uma raça reconhecida no exterior em caráter definitivo, o buldogue campeiro. O primeiro grande desafio já foi concluído em 2024: ela se encontra no grupo das que têm reconhecimento em caráter provisório pela FCI (Federação Cinológica Internacional), entidade que preserva e divulga os padrões criados para centenas de raças caninas.
Se tudo der certo, dentro de alguns anos o buldogue campeiro se juntará ao fila brasileiro, ao terrier brasileiro (mais conhecido como fox paulistinha) e ao rastreador brasileiro no rol das raças nacionais reconhecidas no mundo todo. Mas que buldogue é esse? E como é o processo para que uma nova raça de cachorro seja aceita internacionalmente?
Prazer, buldogue campeiro
Como o nome diz, a raça descende de buldogues ingleses, trazidos para o sul do Brasil pelos imigrantes europeus. Aqui, fazendeiros adaptaram esses cachorros, por meio de cruzamentos, a fim de adaptá-lo ao trabalho no campo. Eles desejavam um animal capaz de localizar, capturar e conduzir o gado em ambientes hostis, como matas fechadas e lamaçais. Era um cachorro que tinha função também nos antigos abatedouros, contendo os animais.
“Deve ser um cão forte e potente, com cabeça larga, mandíbulas fortes, com a mandíbula inferior projetada além da superior apenas o suficiente para o cão segurar o boi. Um focinho largo e forte, nem muito curto nem muito longo, para tornar possível agarrar um boi independentemente do seu tamanho e peso”, segundo a descrição oficial da CBKC (Confederação Brasileira de Cinofilia), entidade que representa o Brasil na FCI.
Nos anos 1960, a migração de gaúchos para o Mato Grosso do Sul ajudou a difundir esse tipo de buldogue no centro-oeste. Mas a criação de medidas sanitárias em matadouros e a introdução de novas raças no Brasil fez com que ele caísse em desuso.
Graças a um trabalho de resgate e preservação conduzido por criadores gaúchos, o cão resistiu ao tempo, ganhou uma padronização mais bem definida e acabou reconhecido pela CBKC. Isso significa que a entidade, responsável por emitir pedigrees e criar guias de padrões para raças brasileiras, protegeria e divulgaria o buldogue campeiro em todo o país e, mais tarde, no exterior.
Em 2023, eram 13 mil cães da raça registrados, segundo a organização. A maioria deles vive no Rio Grande do Sul e no entorno (Santa Catarina, Uruguai e Argentina), mas há exemplares em todo o Brasil e, aos poucos, em outros continentes, explica Ricardo Torre-Simões, diretor técnico da CBKC.
“A característica mais importante é sua rusticidade inerente ao trabalho no campo. É um cão que pode passar longos períodos sem atenção direta do dono”, diz. Tem um temperamento excelente, garante, em entrevista à GALILEU.
“Nem todo mundo tem uma boiada para cuidar, é claro, mas é um cão que se pode ter em casa, é leal, protege a família, é carinhoso com crianças, não oferece risco nem é agressivo”, descreve. “Ainda assim, tem um instinto de proteção bastante aguçado.”
Como todas as raças caninas, o buldogue campeiro tem uma ficha com descrições minuciosas descrevendo suas características. Diz o texto: “Cão de porte médio, pelo curto, aparência imponente, compacto, robusto, com constituição poderosa e ampla, indicando força e agilidade. Corpo ligeiramente retangular, sendo as fêmeas ligeiramente mais longas que os machos. Visto de cima, deve ser largo nos ombros e relativamente estreito no lombo. Membros vigorosos, musculosos e de ossatura forte...” e por aí vai.
A proporção entre o comprimento da cabeça e o do focinho deve ficar entre 4:1 e 3:1. A cabeça é ampla, com mandíbulas fortes, sem excesso de rugas. Olhos devem ser ovais, nem profundos nem proeminentes. As unhas, fortes e escuras, de acordo com a cor da pelagem (que pode variar bastante). São detalhes e mais detalhes, muitos dos quais passam despercebidos por observadores ocasionais.
O que (e quem) define uma raça
A FCI é uma federação composta pelas confederações nacionais (kennel clubs, no jargão do meio) de 101 países, em todos os continentes. Cada um desses clubes têm autonomia para determinar os padrões de suas raças nacionais. Uma vez que eles os definem, podem submetê-los à FCI.
Se der certo, a raça é reconhecida em caráter provisório (o atual status do buldogue campeiro). Depois, ao longo de dez anos, a FCI acompanha o processo. “Ela faz exames, análises, verifica como está a transmissão genealógica das características da raça, o DNA de várias famílias, para ver se há uma diversidade necessária”, explica Torre-Simões.
Atingindo um padrão desejado, ela é aprovada em caráter definitivo. Caso contrário, ganha mais um tempo para se adequar.
Para uma raça ser considerada apta para o reconhecimento, os criadores desses cães precisam seguir uma série de protocolos determinados pelo kennel club. Documentos, fotos, registros genealógicos. É um trabalho que muitas vezes leva décadas.
Para os criadores, isso é importante porque, além de terem o trabalho reconhecido, seus cães passam a participar de competições e exposições, divulgando as características mais cativantes de cada raça. Já os cães ganham notoriedade e podem se tornar mais populares fora do país de origem.
Mas, antes de tudo, é preciso determinar a razão de ser daquela raça. Um dos pontos mais importantes é uma função bem definida. Toda raça tem uma função, porque foi dessa forma que os humanos começaram a conduzir cruzamentos selecionados, a fim de obter cachorros com as características que eles desejavam. Assim, com o passar dos séculos (ou milênios, em alguns casos), surgiram cães de guarda, caça, pastoreio etc.
Por isso, até hoje, a FCI divide as raças em dez grupos de acordo com suas funções. Podem ser sabujos (cães que caçam com o olfato), galgos (cujo diferencial na caça é a velocidade) de pastoreio ou até de companhia – sim, porque ser fofo e se acomodar no colo das pessoas é uma função valorizada desde a Antiguidade.
Todas essas definições podem parecer relevantes apenas para criadores e expositores, e não para pais e mães de pet comuns. Mas essas minúcias do âmbito das exposições e competições caninas determinam padrões que impactarão todo o setor.
Mesmo pessoas que adotam cães sem dar a mínima para a raça podem ser influenciadas pelo imaginário forjado nas pistas de exposição. “Porte nobre” ou “focinho achatado e fofo”, por exemplo, são noções que surgiram a partir dessa padronização formalizada das raças, algo que ganhou corpo na Europa do século 19.
É mais ou menos como nos desfiles de moda. A imensa maioria das pessoas pode não se interessar pelas criações dos estilistas para as passarelas, mas de um jeito ou de outro elas terão alguma influência na forma de nos vestirmos.
Em seu próprio ritmo, as raças caninas também entram e saem de moda e se transformam com o tempo, conforme as preferências humanas mudam. A bióloga e filósofa Donna Haraway, em livros como O Manifesto das Espécies Companheiras e Quando as Espécies se Encontram, trata, entre outros assuntos, desse aspecto das raças caninas. Criar cachorros de centenas de raças diferentes (para a FCI, são 344) tem uma lógica próxima da indústria da moda: são reflexos de gostos estéticos e tendências de comportamentos humanos.
O que fica evidente quando vemos raça criadas originalmente para tal função, mas que hoje vivem e são desejadas apenas como bichos de estimação, cujas características admiramos, ou até amamos, por fatores mais estéticos ou curiosos do que práticos. “A função do husky siberiano é puxar trenós. Se formos ao Ártico, veremos cães do tipo, como o malamute, puxando trenós. São cães capazes de exercer sua função, embora, nos dias atuais, a maioria não o faça”, explica o diretor da CBKC.
“É o mesmo caso do buldogue campeiro. No Rio Grande do Sul, muitas fazendas o usam no pastoreio do gado. Mas, se eu pegar um deles de qualquer cidade grande, onde não tem gado, e o jogar no campo, ele rapidamente vai aprender. Primeiro, porque verá a matilha fazendo isso. Segundo, porque tem no DNA.”

há 1 dia
3
:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_fde5cd494fb04473a83fa5fd57ad4542/internal_photos/bs/2025/g/T/3sU3j9SjSLANar4IXqdw/image1.png)
:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_fde5cd494fb04473a83fa5fd57ad4542/internal_photos/bs/2025/k/9/nBwHH1Q2yR3unvcNGLgQ/8vdh8tbg8qa4be53vrven9-650-80.jpeg)
:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_fde5cd494fb04473a83fa5fd57ad4542/internal_photos/bs/2025/e/d/XFmrCVRputBkhJPjb8Kg/tylenol-pills-15213405761-.jpg)





Portuguese (BR) ·