Estado americano processa fabricante do Tylenol após Trump associar remédio a autismo

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O debate sobre a segurança do paracetamol (de nome comercial Tylenol), um dos analgésicos mais populares do mundo, ganhou contornos políticos nos Estados Unidos após o presidente Donald Trump declarar que o remédio poderia “causar” autismo. A alegação, sem respaldo científico, repercutiu nas redes sociais e acabou servindo de base para uma nova ofensiva jurídica: o processo movido pelo procurador-geral do Texas, Ken Paxton, contra as fabricantes Johnson & Johnson e Kenvue.

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A ação, apresentada nesta terça-feira (28), acusa as empresas de “ocultar deliberadamente” informações sobre riscos neurológicos supostamente ligados ao uso do paracetamol em gestantes. É o primeiro processo movido por um governo estadual com base nessa teoria, até agora sustentada principalmente por grupos antivacina e apoiadores do atual governo.

Paxton, um republicano ultraconservador e aliado de longa data de Trump, declarou que pretende “responsabilizar a Big Pharma por envenenar nosso povo”. O procurador também está em meio a uma disputa interna no Partido Republicano, desafiando o senador John Cornyn nas primárias da eleição estadual de 2026 – o que analistas ouvidos pelo jornal The Texas Tribune veem como um incentivo político por trás da ação.

Alegações contra as farmacêuticas

No processo, o gabinete de Paxton argumenta que a Johnson & Johnson teria escondido dos consumidores pesquisas que apontariam uma ligação entre o uso de Tylenol e distúrbios do neurodesenvolvimento, como autismo e transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). A denúncia também afirma que a criação da Kenvue, empresa independente que assumiu as marcas de consumo da Johnson & Johnson em 2023, teria sido uma manobra para evitar responsabilidades legais ligadas a potenciais litígios do Tylenol.

Segundo o jornal The New York Times, o processo texano busca aplicar leis estaduais de proteção ao consumidor, como a Lei de Práticas Comerciais Enganosas e a Lei Uniforme de Transferência Fraudulenta. A estratégia difere de processos por danos pessoais movidos nos últimos anos por famílias que alegam (também sem base em estudos científicos conclusivos) que seus filhos desenvolveram autismo após a exposição pré-natal ao paracetamol.

Em 2023, um tribunal federal em Nova York rejeitou essas ações coletivas por falta de evidências científicas confiáveis. Os autores recorreram, e o caso deve ser reavaliado em audiência de apelação marcada para 17 de novembro deste ano.

O que a ciência realmente diz

A base científica da controvérsia é uma revisão de 46 estudos conduzida por epidemiologistas da Escola de Saúde Pública TH Chan, de Harvard, e da Escola de Medicina Icahn, do Monte Sinai. Mais da metade dos estudos analisados apontaram alguma correlação entre o uso de paracetamol na gravidez e o diagnóstico de autismo ou TDAH em crianças.

No entanto, os próprios autores alertaram que correlação não significa causalidade. As gestantes que tomam Tylenol costumam apresentar condições clínicas ou genéticas diferentes daquelas que não o fazem – fatores que podem distorcer os resultados. Um grande estudo sueco com 2,5 milhões de crianças, por exemplo, constatou que a associação desaparecia quando os pesquisadores consideravam a genética materna e comparavam irmãos expostos e não expostos ao medicamento.

“É muito difícil chegar a conclusões definitivas em epidemiologia sem recorrer a experimentos controlados, o que seria antiético neste caso”, explica Brian Lee, epidemiologista da Universidade Drexel e autor do estudo, em entrevista ao site da Escola de Saúde Pública da Universidade Johns Hopkins. Segundo ele, “as evidências atuais apontam fortemente para a ausência de um efeito causal do uso de paracetamol na gravidez sobre o autismo”.

Reação de médicos e entidades de saúde

Em declaração publicada no dia 24 de setembro, a Organização Mundial da Saúde (OMS) enfatiza que não há evidências científicas conclusivas que confirmem uma possível ligação entre o autismo e o uso de paracetamol durante a gravidez: “Pesquisas extensas foram realizadas na última década, incluindo estudos em larga escala, investigando as ligações entre o uso de paracetamol durante a gravidez e o autismo. Até o momento, nenhuma associação consistente foi estabelecida”.

A reação da comunidade médica também foi imediata. O Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas classificou as novas advertências de Trump e Kennedy como “potencialmente perigosas”, lembrando que o Tylenol é o único analgésico amplamente considerado seguro para uso durante a gravidez. “As condições que o paracetamol trata, como febre alta, são muito mais perigosas para a mãe e o feto do que quaisquer riscos teóricos”, afirma Steven Fleischman, presidente da entidade.

Kenvue, atual fabricante do Tylenol, reforçou que “a ciência independente e robusta mostra que o paracetamol não causa autismo”, e se disse “profundamente preocupada com a confusão e os riscos à saúde que essa desinformação pode gerar entre gestantes”. A empresa também prometeu contestar qualquer tentativa da FDA de incluir novos alertas nos rótulos do medicamento, argumentando que não há base científica suficiente para isso.

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