Takayanagi: Estamos diante de um “momento Kodak” das telecomunicações?

há 6 dias 3
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Por Rogério Takayanagi – Em 2013, durante um almoço com um amigo de faculdade, ele comentou que estava mergulhando no empreendedorismo ligado à economia espacial e citou um tal de Elon Musk como alguém prestes a gerar grande disrupção nesse mundo. Perguntei: “Quem é Elon Musk?”. Hoje, poucos anos depois, essa pergunta soa ridícula.

Até pouco tempo atrás, dizíamos que algo sem volta era “como foguete: não dá ré”. Mas desde dezembro de 2015, quando vimos o primeiro pouso bem-sucedido de um Falcon 9, essa metáfora perdeu o sentido. A reutilização de foguetes mudou para sempre a lógica do acesso ao espaço, derrubando custos em uma ordem de magnitude e abrindo caminho para modelos de negócio antes impossíveis.

Quem acompanha o setor de telecomunicações há tempo suficiente lembra do Iridium, da Motorola. Um projeto visionário, mas economicamente inviável, que acabou ofuscado pela expansão das redes celulares e do roaming internacional. Hoje, vemos um movimento inverso: tecnologias como os satélites da Starlink surgem como alternativas reais, em muitos casos mais viáveis do que fibra, rádio micro-ondas ou satélites convencionais para levar internet a regiões remotas. Já não é raro conhecer alguém no Brasil com acesso Starlink em casa.

Mas a evolução nao parou aí. E o que parecia apenas mais uma etapa do cronograma da SpaceX pode ser, na verdade, um divisor de águas. Em 26 de agosto, a empresa lançou com sucesso pela primeira vez a Starship, o maior foguete já construído, e conseguiu trazer de volta tanto o módulo lançador quanto a nave. Ontem, 13 de outubro, já repetiu a façanha. Esse feito pode ser ainda mais transformador do que o pouso do primeiro Falcon 9.

Por quê?

  • A Starship é mais potente que os Saturn V que levaram o homem à Lua.
  • O custo projetado é de US$ 200 por kg de carga — duas ordens de magnitude abaixo do Falcon 9.
  • Cada lançamento poderá adicionar até 60 Tbps de capacidade à rede Starlink — 20 vezes mais que um Falcon 9.
  • E, em vez de alguns lançamentos por mês, falamos em múltiplos lançamentos por dia.

Em apenas sete anos, a Starlink já responde por dois terços de todos os satélites em órbita. Agora, basta extrapolar: mais lançamentos, 20x mais capacidade por lançamento e custos 90% menores. O que isso significa para os próximos dez anos?

Se isso não bastasse, no último dia 8 de setembro a SpaceX comprou 50 MHz de espectro da Echostar por módicos US$ 17 bilhões. Esse movimento permitirá a SpaceX oferecer cobertura celular via satélite em todo o território americano (D2D, além do serviço terrestre que já possui via Boost Mobile. Em breve veremos a primeira rede hibrida celular+satélite cobrindo todo o território americano.

A consequência é clara: em pouco tempo pode ser mais barato construir uma rede satelital do que expandir uma rede celular tradicional. As barreiras ainda existem — desde regulamentação do espectro até a adaptação de dispositivos —, mas o histórico da última década sugere que esses limites serão superados em boa parte dos mercados. Não acredito que isso seja, o fim das redes celulares, ainda teremos necessidade de muita cobertura em areas mais densamente povoadas para escoar o tráfego de dados. Mas seguramente, teremos um importante impacto na dinâmica competitiva. Imagine um ou dois players por mercado com uma rede hibrida celular + satélite com melhor cobertura e menor custo.  Qual será o futuro das operadoras tradicionais?

Aqui pode estar o momento Kodak para diversos atores da nossa indústria.

Em quase três décadas, vi repetidas vezes as operadoras tradicionais deixarem escapar oportunidades por priorizarem apenas o “core business”:

  • Perdemos a voz e o SMS para o WhatsApp.
  • A TV paga para o streaming.
  • A publicidade móvel para o Facebook.
  • O mobile money para as fintechs.
  • E, mais recentemente, vemos o Open Gateway sendo apropriado por outros players como o Itaú.

O alto CAPEX na infraestrutura de Telecom e a visão de curto prazo nos fizeram acreditar que novas oportunidades levariam tempo demais ou exigiriam investimentos inviáveis. Enquanto isso, as receitas estagnaram e o ROI caiu. Agora, o risco é ainda maior: não falamos apenas de serviços adjacentes, mas da própria espinha dorsal das telecomunicações. A substituição da topologia das redes legadas por modelos híbridos mais eficiêntes com maior qualidade e cobertura e menor custo.

Perguntas para reflexão:

  • Como deve evoluir a regulação para permitir inovação sem abrir mão da soberania sobre dados e serviços?
  • Como continuar evoluindo o RGST (Regulamento Geral dos Serviços de Telecomunicações) para contemplar os modelos híbridos?
  • Quais deveriam ser os requisitos ou obrigações para operar um serviço D2D (direct to device) no Brasil?
  • Como garantir competição adequada, atraindo outros players para atuar no segmento espacial no Brasil, evitando um oligopólio de poucos players globais?
  • As operadoras devem competir ou colaborar com players como a Starlink? As operadoras deveriar investir em iniciativas para desenvolver cobertura satelital própria em complemento às suas coberturas celular e de fibra ótica?
  • O espectro deve ser compartilhado ou alugado a novos entrantes?
  • Como os fornecedores e a cadeia de valor precisam se reorganizar?
  • Que papel os acordos internacionais terão nesse cenário?

* Rogério Takyanagi é consultor independente, com passagens pelo comando de operadoras nacionais brasileiras. Foi CMO na TIM e CSO na Oi.

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