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Há oito meses, Tim Andrews desafia as expectativas médicas e científicas. Isso porque, aos 67 anos, ele aceitou receber o transplante de um rim de porco geneticamente modificado como parte de um experimento do Hospital Geral de Massachusetts, em Boston.
A escolha veio para que Andrews ganhasse em qualidade de vida. Antes do procedimento, ele já tinha feito dois anos de diálises diárias, decorrentes de um quadro terminal de uma doença nos rins. Caso não tivesse aceitado passar por um xenotransplante, ele ainda poderia estar na fila de espera por um transplante humano, uma vez que a média de tempo nos EUA é de sete anos.
“Às vezes, é a única coisa em que consigo pensar: manter Wilma viva. Wilma é meu rim, demos esse nome a ela quando a pegamos, e eu cuido dela”, contou Andrews, em comunicado. Seu objetivo agora é completar pelo menos um ano com o órgão transplantado.
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O sucesso do procedimento – um entre outros seis semelhantes já realizados – está levando os Estados Unidos a ampliar os testes com rins de porcos geneticamente modificados. A ideia é que esse tipo de transplante possa oferecer uma alternativa viável à longa espera por órgãos humanos. Assim, enquanto aguardam sua vez na fila de transplantes de órgãos humanos, pacientes podem ter mais qualidade de vida.
O que são os xenotransplantes?
A técnica que tornou possível o transplante de Tim Andrews faz parte de uma área em crescimento chamada xenotransplante, nome dado ao transplante de órgãos ou tecidos de animais para humanos. Embora pareça uma inovação recente, há registros da prática que remetem ao século 17, quando um médico francês tentou, sem sucesso, transfundir sangue de cordeiro para um jovem. No início do século 20, rins de porco e de cabra foram anexados ao corpo de pacientes humanos, também sem êxito.
Hoje, os avanços tecnológicos permitem um cenário diferente. A empresa de biotecnologia eGenesis, que alterou geneticamente o rim recebido por Andrews, recebeu aprovação para realizar transplantes em mais 33 pacientes com insuficiência renal terminal. Outra empresa, a United Therapeutics, poderá testar até 50 transplantes com seu próprio modelo de rim suíno.
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Os porcos são os animais preferidos nesses estudos por serem fáceis de criar, terem órgãos de tamanho compatível com os dos seres humanos e se reproduzirem em grandes ninhadas. Além disso, sua genética permite modificações que reduzem o risco de rejeição.
Apesar dos avanços, o tema levanta questões éticas. “Acho que esta é uma oportunidade para refletirmos sobre o que estamos fazendo quando criamos animais e os tratamos dessa maneira [como ‘guardadores’ de órgãos]”, avalia Syd Johnson, da Upstate Medical University. Outro questionamento levantado por ele é o modelo por trás dos mercados de órgãos que, com a prática, passaria a ser controlado por empresas com fins lucrativos.
A engenharia genética por trás do sucesso
O segredo do sucesso do transplante está nas ferramentas genéticas de última geração utilizadas. O rim que Andrews recebeu passou por 69 modificações, feitas com a técnica CRISPR, um tipo de "tesoura molecular" que permite cortar e reescrever trechos do DNA.
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Entre as alterações, cientistas desativaram um retrovírus presente naturalmente nos porcos e inseriram genes humanos que ajudam a controlar a inflamação e a rejeição. A mesma abordagem tem sido usada para modificar outros órgãos, como corações e pulmões. Em 2022, um paciente sobreviveu por dois meses após receber um coração de porco, mas acabou morrendo, possivelmente devido a um vírus suíno não detectado.
Apesar dos resultados positivos, viver com um órgão de porco exige vigilância constante. Andrews continua fazendo exames duas vezes por semana para monitorar seu estado de saúde - e o funcionamento de Wilma. “Se pudermos manter essas pessoas fora da diálise por um ano, isso já vale a pena”, defende o paciente.