Pterossauro inédito que vivia no Brasil é encontrado em vômito fossilizado

há 1 semana 9
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Um episódio trivial, que aconteceu há 110 milhões de anos, acabou se tornando um achado científico inédito. Em meio às planícies e lagos rasos do que hoje é o nordeste do Brasil, um dinossauro carnívoro, possivelmente um espinossauro, regurgitou parte de sua refeição. O material vomitado — uma mistura de ossos e fluidos — acabou sendo rapidamente soterrado por sedimentos finos e, por um golpe de sorte geológica, se fossilizou.

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Milhões de anos depois, paleontólogos brasileiros descobriram o vômito petrificado (tecnicamente chamado regurgitalito) durante escavações no Grupo Santana, na Bacia do Araripe, no encontro do Ceará, Pernambuco e Piauí. A análise do conteúdo revelou algo inédito: os ossos pertenciam a dois pterossauros de uma espécie até então desconhecida, descrita agora em um estudo publicado na segunda-feira (10) na revista Scientific Reports.

Pterossauro filtrador dos trópicos

Trata-se da primeira vez que um grupo animal inédito foi identificado a partir de restos encontrados em vômito fossilizado, representando, assim, um caso raro até mesmo nos anais da paleontologia. A espécie recebeu o nome de Bakiribu waridza, uma expressão que significa “boca de pente” na língua indígena Kariri, em homenagem aos povos originários da região do Araripe.

 Aline M. Ghilardi et al. Visão geral do achado contendo os restos de Bakiribu waridza (holótipo e parátipo) — Foto: Aline M. Ghilardi et al.

O nome faz referência aos dentes finos, longos e muito numerosos que se alinhavam como cerdas nas mandíbulas alongadas dos exemplares. A equipe acredita que essas características indiquem de que ele se alimentava filtrando pequenos crustáceos e organismos aquáticos, o que poderia se assemelhar à forma como os flamingos modernos caçam.

B. waridza também representa o primeiro pterossauro filtrador descoberto no Brasil, bem como o primeiro de ambientes tropicais. Em termos de taxonomia, ele pertence à família Ctenochasmatidae, um grupo de pterossauros pterodactiloides conhecido por suas adaptações alimentares especializadas e ampla distribuição entre os Períodos Jurássico Superior e Cretáceo Inferior.

Elo evolutivo entre continentes

A análise morfológica e histológica dos fósseis revelou dentina e cavidades pulpares bem preservadas, permitindo uma reconstrução detalhada dos dentes e das mandíbulas do animal. A comparação com espécies já conhecidas, como o Pterodaustro guinazui, da Argentina, e o Ctenochasma sp., da Alemanha, mostra que o B. waridza ocupa uma posição intermediária entre as linhagens, destaca a revista Science.

Os pesquisadores o classificam como um táxon irmão de Pterodaustro sp., dentro do subclado Ctenochasmatinae, sugerindo que o novo pterossauro preenche uma lacuna evolutiva importante entre os ctenocasmátideos europeus e os sul-americanos. “Bakiribu waridza fornece novas evidências sobre a dispersão biogeográfica e a diversificação dos pterossauros entre os continentes de Gondwana e Laurásia durante o início do Cretáceo”, escrevem os autores no estudo.

Retrato de um ecossistema perdido

Os fósseis foram encontrados na Formação Romualdo, uma das camadas mais ricas e famosas da Bacia do Araripe, conhecida pela preservação excepcional de organismos do Cretáceo Inferior. Peixes, insetos, répteis e plantas fossilizados nessa região já ajudaram cientistas a reconstruir ecossistemas inteiros. O novo achado, contudo, adiciona um elemento inédito: evidências diretas de interações entre predador e presa.

A equipe acredita que os dois pequenos pterossauros foram devorados — e, pouco depois, regurgitados — por um espinossauro, um carnívoro com longas mandíbulas e dentes cônicos semelhantes aos dos crocodilos. Essa hipótese é reforçada por descobertas anteriores na região, como o esqueleto de outro pterossauro encontrado com um dente de espinossauro cravado no pescoço.

 Aline M. Ghilardi et al. Petrografia da concreção calcária onde foi encontrado o holótipo de Bakiribu waridza — Foto: Aline M. Ghilardi et al.

Tal descoberta amplia o entendimento sobre a diversidade e a especialização ecológica dos pterossauros que habitaram os trópicos durante o Cretáceo. Enquanto espécies semelhantes eram conhecidas apenas de latitudes temperadas, o novo fóssil mostra que o modo de vida filtrador também floresceu em ambientes quentes e costeiros do Gondwana.

Além de seu valor taxonômico, o regurgitalito fossilizado oferece um vislumbre raro da dinâmica ecológica de um mundo perdido. “Esses fósseis não apenas nos mostram quem viveu ali, mas também quem comeu quem”, comentam os autores.

Fossilizado, o antigo vômito tornou-se uma cápsula do tempo. E nela, repousam as pistas de uma história que atravessou milhões de anos — a de um pterossauro tropical que, ironicamente, sobreviveu à extinção pela via mais improvável: o estômago de um predador.

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