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A escolha de Belém, capital do estado do Pará, como sede da COP representa um marco simbólico e estratégico para o Brasil e para o mundo. Pela primeira vez em quase uma década, uma conferência do clima tem como palco o Hemisfério Sul, colocando no centro do debate regiões que sofrem os impactos mais severos das mudanças climáticas e que, paradoxalmente, oferecem algumas das soluções mais eficazes para enfrentá-las.
Belém é, ao mesmo tempo, vulnerável e potente. De um lado, enfrenta calor extremo, inundações e a precariedade urbana que afeta principalmente os mais pobres. De outro, abriga uma das maiores reservas de biodiversidade do planeta e comunidades que, há séculos, manejam a floresta de forma sustentável, garantindo resiliência climática para além de suas fronteiras.
O contraste é brutal: povos indígenas e extrativistas, que mais protegem os ecossistemas, são também os que mais sofrem com a crise, como no caso da quebra drástica da safra de castanha-do-pará, que deixou famílias sem renda. Isso ocorreu devido à falta de chuvas e ao calor forte, agravados pelo El Niño, que zeraram a produção em algumas regiões — sim, zeraram! — trazendo grandes prejuízos para as famílias e comunidades que dependem dessa semente. Esse é um exemplo de como os extremos climáticos podem trazer fortes prejuízos aos que dependem da floresta para viver.
Esse duplo papel, de vítima das mudanças climáticas e de guardiã da natureza, dá à Amazônia um protagonismo inescapável. Belém não será apenas cenário de negociações climáticas, mas sim um ponto de virada na forma como o mundo enxerga a conexão entre clima, biodiversidade e pessoas. Diferentemente das COPs recentes, realizadas em países petroleiros e distantes das florestas tropicais, esta conferência terá como pano de fundo rios imensos, florestas e comunidades vivas, além da realidade crua da crise climática.
Há riscos e oportunidades. O risco é a visibilidade expor fragilidades e abrir espaço para cobranças mais duras sobre o Brasil. Mas a oportunidade é ainda maior: demonstrar resultados concretos e apresentar soluções inovadoras que já começam a nascer na região.
Um exemplo é o programa de concessões florestais para restauração no Pará, do qual a TNC é colaboradora. Trata-se de um modelo inédito no Brasil, que transforma áreas griladas e desmatadas em territórios destinados à recuperação ambiental, majoritariamente com capital privado. A primeira concessão, realizada em São Félix do Xingu, município historicamente marcado por altos índices de desmatamento, prevê a restauração de 10 mil hectares, ao mesmo tempo em que inibe novas invasões, já que o simples anúncio da retomada dessas terras reduziu significativamente o desmatamento na região. Essa experiência evidencia que é possível combinar política pública, inovação financeira e compromisso privado para gerar impacto ambiental, econômico e social imediatos.
Outro avanço significativo, também com apoio da TNC, é o programa de rastreabilidade individual da pecuária paraense, que abrange o segundo maior rebanho bovino do Brasil, com 26 milhões de cabeças de gado. Pela primeira vez, pequenos produtores terão acesso a uma tecnologia antes restrita a grandes fazendas. O sistema permite identificar a origem de cada animal, acompanhar seu deslocamento e garantir que não haja ligação com áreas de desmatamento ilegal. Mais do que um mecanismo de controle, o programa traz um componente de inclusão: ao apoiar agricultores familiares na regularização ambiental de pequenas áreas desmatadas, ele abre espaço para a restauração de até 2 milhões de hectares, gera acesso a crédito e aumenta a produtividade das propriedades. Dessa forma, evita a exclusão social e cria um ciclo virtuoso entre legalidade, sustentabilidade e renda.
Essas iniciativas revelam um caminho promissor: alinhar conservação, economia e inclusão em larga escala. Mas para que tenham impacto real, precisam ser ampliadas e sustentadas no longo prazo. A COP não pode ser tratada como um evento isolado ou uma vitrine momentânea. Deve ser um catalisador de compromissos duradouros e definitivos, capazes de transformar a forma como o Brasil e os demais países amazônicos se relacionam com seus territórios — unindo floresta viva, produção sustentável e prosperidade para as populações locais.
E aqui reside a mensagem central: o Sul Global não pede esmolas, mas sim reconhecimento e financiamento justo. Se a humanidade precisa de 1,3 trilhão de dólares anuais em investimentos climáticos, é na Amazônia e em outras florestas tropicais que parte significativa desse capital deve ser direcionada. Não apenas porque são ecossistemas vitais, mas porque os povos que os protegem estão, de fato, prestando serviços ambientais ao planeta inteiro.
Belém será o palco, mas os verdadeiros protagonistas são a Amazônia e seus povos — em toda a sua complexidade, dor e potência. Se soubermos aproveitar esse momento, poderemos transformar vulnerabilidade em força e mostrar ao mundo que a saída da crise climática passa inevitavelmente pelo coração da floresta.
Este artigo foi escrito por José Otávio Passos, diretor de Amazônia da TNC Brasil.