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Pesquisadores brasileiros identificaram a presença de microplásticos no sistema digestivo de macacos bugios-vermelhos (Alouatta juara) que vivem em áreas protegidas da Amazônia brasileira. O achado representa a primeira evidência global de ingestão de plástico por um primata arborícola — um marco preocupante na crescente contaminação ambiental por resíduos.
Essa descoberta foi feita a partir da análise de 47 indivíduos provenientes das Reservas de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Amanã, no estado do Amazonas. Dentre todos eles, apenas dois retornaram com resultados positivos para a presença de filamentos verdes de microplástico com menos de 5 milímetros de comprimento no estômago.
“A frequência foi baixa. Mesmo assim, isso já representa muita coisa. Era melhor não termos encontrado nenhum caso”, indica Anamélia de Souza Jesus, pesquisadora do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e colaboradora do projeto, em entrevista ao portal Mongabay. “Encontrar microplásticos em ambientes preservados soa como um alarme, pois mostra que a poluição plástica está chegando a lugares que presumíamos protegidos.”
Uma investigação não invasiva
Nenhum animal foi sacrificado para o estudo. Na verdade, para a análise, a equipe trabalhou com órgãos de macacos obtidos a partir de uma parceria de mais de 20 anos com comunidades ribeirinhas locais, que doaram restos de animais caçados para subsistência.
Os estômagos dos macacos, mantidos intactos e selados, foram investigados em laboratório sob condições controladas. Os filamentos plásticos só foram visíveis ao microscópio, revelando partículas possivelmente provenientes da fragmentação de resíduos maiores.
Ambos os dois indivíduos que apresentaram microplásticos haviam sido caçados em 2015. Os insights gerados a partir das observações desses casos renderam material suficiente para a produção de um artigo científico, o qual foi publicado no dia 22 de setembro na revista EcoHealth.
Floresta de várzea e a rota dos plásticos
Os bugios-vermelhos vivem no dossel das florestas de várzea amazônicas, passando quase toda a vida nas copas das árvores e alimentando-se de folhas e frutos. Por serem estritamente herbívoros e raramente descerem ao solo, a presença de plástico em seus organismos surpreendeu os cientistas.
As florestas de várzea são ambientes periodicamente inundados: durante metade do ano, ficam submersas pelas águas dos rios, e depois, na estação seca, o nível da água recua. Segundo o estudo, é provável que os macacos tenham tido contato com o plástico por meio da água contaminada ou de resíduos.
Redes de pesca abandonadas, as chamadas “redes fantasmas”, por exemplo, ficam presas nos galhos após o recuo das cheias, e podem entrar em contato com a fauna. “Inferimos que as partículas de plástico podem ter sido derivadas da decomposição de redes de pesca depositadas nas árvores durante as inundações anuais”, escreveram os autores.
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Essa descoberta se soma a um corpo crescente de evidências de que a poluição plástica se espalhou por todo o ecossistema amazônico. Pesquisas anteriores já haviam identificado microplásticos em peixes, tartarugas, peixes-boi e aves, além de amostras de água e sedimentos de rios.
Até então, porém, não havia registros de contaminação entre animais de hábitos exclusivamente arborícolas. Isso sugere que a disseminação das partículas é ainda mais ampla do que se imaginava.
Alerta para a gestão de resíduos
O estudo reforça a urgência de investigar o impacto dos microplásticos sobre espécies florestais e sobre a saúde dos ecossistemas amazônicos. Embora as partículas sejam minúsculas, sua presença pode causar efeitos fisiológicos e comportamentais ainda pouco compreendidos.
“Agora temos evidências de que os resíduos plásticos estão chegando a lugares que pensávamos serem inacessíveis”, afirma Jesus. “Podemos tentar alcançar as pessoas que podem implementar uma melhor gestão de resíduos, aqui em Tefé e em toda a Bacia Amazônica.”
Dessa forma, o avanço da poluição plástica na Amazônia deve ser encarado como um problema ambiental global, que conecta práticas humanas de descarte e consumo ao desequilíbrio dos ecossistemas mais remotos do planeta.