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John Clarke, Michel Devoret e John Martinis, da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos EUA, foram anunciados nesta terça-feira (7) como vencedores do Prêmio Nobel de Física de 2025 por uma façanha que há poucas décadas soaria impossível. Eles demonstraram, por meio de experimentos, que os efeitos misteriosos da mecânica quântica — normalmente restritos ao mundo das partículas subatômicas — podem se manifestar também em sistemas macroscópicos, visíveis e manipuláveis.
Segundo comunicado da Real Academia Sueca de Ciências, autoridade que concede o prêmio, o trio construiu um circuito elétrico supercondutor capaz de “atravessar” barreiras energéticas, um comportamento conhecido como “tunelamento quântico”. Esse sistema ainda se mostrou capaz de absorver e emitir energia em “doses” discretas, como preveem as leis quânticas.
Na física clássica, um objeto sólido jamais conseguiria atravessar uma parede sólida. No entanto, no mundo quântico, partículas minúsculas podem “atravessar” barreiras aparentemente intransponíveis, reaparecendo do outro lado. É como se a bola, em vez de ricochetear, simplesmente surgisse do outro lado da parede.
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Esse fenômeno é conhecido como “tunelamento quântico”. Ele foi descrito pela primeira vez em 1928 pelo físico George Gamow, que o relacionou ao decaimento radioativo de núcleos atômicos. Trata-se de um processo probabilístico, ou seja, que não ocorre sempre, mas tem uma chance mensurável de acontecer.
Contudo, em grande escala, tais efeitos geralmente desaparecem, porque as partículas em sistemas macroscópicos se comportam de maneira clássica. O grande feito de Clarke, Devoret e Martinis foi justamente demonstrar que o tunelamento também pode ocorrer em um sistema composto por bilhões de partículas agindo de forma sincronizada.
Um experimento que cabia na mão
O grupo da Universidade da Califórnia em Berkeley construiu nos anos 1980 um circuito elétrico supercondutor composto por duas camadas de material condutor separadas por uma barreira isolante ultrafina, chamada junção de Josephson. Essa estrutura, prevista teoricamente por Brian Josephson (que ganhou o Nobel de Física de 1973), já era conhecida por apresentar efeitos quânticos sutis.
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Nos experimentos, os pesquisadores observaram que o circuito podia permanecer em um estado estável sem voltagem — uma espécie de “posição desligada” — e, de repente, “pular” para um estado com voltagem, sem que houvesse energia suficiente para isso segundo a física clássica. O “pulo” era o tunelamento quântico macroscópico, agora medido diretamente em um chip de cerca de um centímetro.
Além disso, os cientistas comprovaram que o sistema absorvia e emitia energia apenas em valores específicos, um comportamento conhecido como quantização da energia. Essa descoberta confirmou que o circuito se comportava como um “átomo artificial”, em que as leis quânticas regem a totalidade do sistema, não apenas suas partes microscópicas.
Do gato de Schrödinger aos computadores quânticos
A demonstração do tunelamento quântico macroscópico reacendeu discussões sobre os limites entre o mundo clássico e o quântico. O físico Anthony Leggett (que conquistou o Nobel de Física de 2003) já havia previsto que sistemas supercondutores poderiam apresentar comportamentos semelhantes ao famoso gato de Schrödinger.
Embora o circuito do trio esteja longe da complexidade de um gato, ele comprova que um sistema coletivo pode manter propriedades quânticas coerentes, um avanço conceitual de grande importância. Isso possibilitou, por exemplo, com que, mais tarde, Martinis aplicasse essas descobertas no desenvolvimento de computadores quânticos supercondutores.