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Não sei exatamente por que eu entro em determinadas brigas. Apontar para as pessoas que suas crenças não têm base, por exemplo. Eu adoro fazer isso, mesmo que elas fiquem bravas e não mudem sua opinião (a não ser sobre mim). Por que fazer isso? Talvez seja uma crença renitente na ciência e em seu poder de derrubar mitos.
Pelo menos não estou sozinho nessa empreitada. Em 2024 um dos artigos científicos mais lidos área da psicologia tinha o provocador título Psicologia Popular Através de uma Lente Científica: Avaliando as Linguagens do Amor a Partir da Perspectiva da Ciência dos Relacionamentos, (Popular Psychology Through a Scientific Lens: Evaluating Love Languages From a Relationship Science Perspective, no original em inglês). Pesquisadoras da área de relacionamentos de duas universidades do Canadá tiveram a corajosa ideia de avaliar cientificamente a popular teoria das cinco linguagens de amor.
Na improvável hipótese de você não saber do que se trata, em 1992 Gary Chapman publicou um livro chamado “As 5 linguagens do amor – Como expressar um compromisso de amor a seu cônjuge”. Segundo o autor as pessoas teriam cinco maneiras de expressar seu amor nos relacionamentos: a) palavras de afirmação (verbalmente, em elogios ou encorajamento), (b) tempo de qualidade (gastando tempo juntos com atenção exclusiva), (c) receber presentes (que seriam símbolos visuais do afeto), (d) atos de serviço (dar e receber apoio prático por meio de ações) e (e) toque físico (Abraços, beijos, carícias). Ainda segundo ele, as pessoas teriam preferências por alguma dessas linguagens e, se os casais entrassem em sintonia – ou seja, aprendessem a se comunicar na linguagem um do outro – melhorariam seus relacionamentos.
O sucesso foi estrondoso. Fazia muito sentido. As pessoas se identificavam. Os relatos de sucesso nas relações se multiplicavam. Até que começaram a testar a teoria. E – segurem-se nas cadeiras – ela não se sustenta. Vários estudos mostram que não, as pessoas não têm uma linguagem preferencial – na prática, expressamos afetos de muitas formas concomitantes. Quando testes formais foram realizados, descobriu-se que casais supostamente compatíveis não tinham satisfação maior do que os outros. E mais ainda: na prática, mesmo receber expressões de afeto na linguagem que supostamente preferem não aumentava a satisfação dos casais. O que o estudo de 2024 fez foi reunir todas as evidências disponíveis até então; considerando tudo, concluiu que a teoria é furada.
Antes que comecem os xingamentos, vale a pena entender por que, mesmo sendo falha, a teoria pode ter ajudado as pessoas. No mesmo ano de 1992 em que Chapman lançou seu livro, o escritor Douglas Adams publicou o livro Praticamente inofensiva, o quinto da série do Guia do Mochileiro da Galáxias. Nele há um diálogo em que uma astróloga reconhece que sua prática não é uma ciência como a astronomia: “As regras [da astrologia] meio que surgiram do nada. (...) Mas, quando a gente começa a colocar essas regras em prática, vários processos acabam acontecendo e você começa a descobrir mil coisas sobre as pessoas. Na astrologia, as regras são sobre astros e planetas, mas poderiam ser sobre patos e gansos que daria no mesmo. (...) Então, veja, a astrologia nada tem a ver com astronomia. Tem a ver com pessoas pensando sobre pessoas”.
Embora equivocada e simplista, a teoria das cinco linguagens do amor pode ter feito a mesma coisa por casais mundo afora: tem regras arbitrárias, tiradas da cabeça de um sujeito e sem base empírica. Mas quando as pessoas passaram a avaliar a forma como estavam se relacionando e tentaram dar importância para a percepção e os sentimentos do outro, não é improvável que tenham obtido bons resultados em seus relacionamentos. Afinal, como as cientistas canadenses concluem, “pesquisas empíricas mostram que relacionamentos bem-sucedidos exigem que os parceiros tenham uma compreensão abrangente das necessidades um do outro e se esforcem para responder a essas necessidades”. O que muitos casais podem ter alcançado por apenas tentar falar a mesma língua.

há 10 horas
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