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Os restos mortais de sete leopardos (Acinonyx jubatus), encontrados em uma rede de cavernas no norte da Arábia Saudita, estão sendo considerados os primeiros registros conhecidos de grandes felinos naturalmente mumificados. Eles datam de períodos que variam entre 4.000 e 100 anos atrás e foram descobertos durante expedições conduzidas em 2022 e 2023 por uma equipe da National Center for Wildlife, uma agência governamental da Arábia Saudita.
Além das múmias, os cientistas identificaram no local ossadas de pelo menos outros 54 indivíduos, indicando que esses espaços subterrâneos foram ocupados ou acessados por leopardos ao longo de diferentes períodos da história. Detalhes sobre a análise dos achados foram compartilhados como um artigo ainda não revisado por pares na plataforma de pré-prints Research Square no dia 1° de setembro.
Preservação única em condições extremas
Múmias, por definição, são corpos nos quais os tecidos moles foram preservados pela interrupção da decomposição. No caso dos leopardos sauditas, a baixa umidade e a temperatura relativamente constante das cavernas criaram condições ideais para esse processo natural.
Anne Schmidt-Küntzel, pesquisadora do Fundo de Conservação de Leopardos na Namíbia, que não participou da elaboração do projeto destacou em entrevista à New Scientist que “a mumificação de um felino, por si só, não é totalmente surpreendente”. Isso, porém, não impede que seja uma novidade e, portanto, “uma descoberta muito importante”.
O motivo da presença desses animais nas cavernas ainda é um mistério. As investigações mostram que nenhuma das cinco grutas examinadas continha água, o que reduz a possibilidade de que os felinos as tenham usado como pontos de sobrevivência.
Uma hipótese é que muitos tenham caído acidentalmente em uma das cavernas acessíveis por cratera, sem conseguir escapar. Outras ossadas de fauna local — incluindo lobos, hienas-listradas, gazelas e raposas-vermelhas — corroboram essa possibilidade.
A análise morfológica trouxe outro dado intrigante: dos 20 crânios estudados, seis pertenciam a adultos, enquanto os demais eram de indivíduos jovens, de idades entre seis e 24 meses. Também foram encontrados restos de nove filhotes.
A presença maciça de indivíduos mais novos sugere que algumas fêmeas poderiam ter buscado as cavernas como refúgio temporário para criar os filhotes. Se comprovada, a hipótese indicaria um comportamento de cuidado até então não documentado.
Testemunhos genéticos de uma linhagem perdida
De acordo com os autores, um dos aspectos mais fascinantes da sua descoberta é o que ela revela sobre a história genética da espécie. Ao sequenciar o DNA de três conjuntos de restos mortais, verificou-se que o indivíduo mais recente mostrou afinidade genética com a leopardo asiática (A. j. venaticus), que hoje sobrevive em número reduzidíssimo apenas no Irã.
No entanto, amostras de 3.000 e 4.000 anos revelaram semelhanças com a leopardo do noroeste africano (A. j. hecki), atualmente restrita a pequenas e fragmentadas populações no Sahel. Isso sugere que, no passado, a Península Arábica abrigava uma diversidade genética mais ampla de leopardos do que se imaginava, funcionando como uma ponte biogeográfica entre a África e a Ásia.
Assim, esse achado fortalece a ideia de que as diferentes subespécies têm plasticidade ecológica suficiente para sobreviver em ambientes áridos. Isso poderia abrir espaço para futuros programas de reintrodução na região usando populações africanas, mais numerosas e geneticamente compatíveis.