Lagos no deserto de Gobi sustentaram vida humana há 8 mil anos

há 4 dias 4
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Um dos ambientes mais áridos e inóspitos da Terra, o Deserto de Gobi, já foi palco de lagos e pântanos que sustentaram a vida humana há 8 mil anos. A revelação vem de um novo estudo publicado na revista PLOS One e conduzido por arqueólogos da Universidade de Wrocław, na Polônia, em colaboração com colegas internacionais.

Hoje em expansão contínua devido ao processo de desertificação, que no sul da China avança sobre 3.600 km² de pastagens por ano, o Gobi guarda um passado radicalmente diferente. A análise de sedimentos e a datação por luminescência em antigos leitos de lagos, como o Paleolake de Luulityn Toirom, revelaram que a região possuía recursos hídricos abundantes durante o Pleistoceno Superior e o Holoceno Inferior.

Evidências mostram que lagos e pântanos já existiam há cerca de 140 mil anos, com condições favoráveis persistindo especialmente entre 8 mil e 5 mil anos atrás. Pesquisas indicam que, nesses períodos, a região oferecia solo fértil e água abundante, permitindo que caçadores-coletores produzissem ferramentas, caçassem animais e utilizassem recursos vegetais na confecção de objetos cotidianos. Também foram identificadas algumas das cerâmicas mais antigas da região, datadas de aproximadamente 10.500 a.C., indicando uma paisagem cultural florescente.

"Na região do chamado Vale do Krzemienna, conseguimos encontrar vestígios de um distrito lacustre, um grupo de paleolagos que existiu aqui durante o Pleistoceno, datando de aproximadamente 140 mil anos. Esta é a data mais antiga que conseguimos obter a partir de sedimentos lacustres. Sabemos que, a partir daquela época, o ambiente sustentou a existência humana nesta parte do deserto, até o início e o médio Holoceno", disse Mirosław Masojć, líder do projeto e membro do Instituto de Arqueologia da Universidade de Wrocław, à PAP.

 G. Michalec et al., PloS One (2025) Restos de pedras em formato de lâmina encontrados pelos pesquisadores — Foto: G. Michalec et al., PloS One (2025)

O sítio analisado corresponde a um acampamento onde predominava o uso de jaspe, uma rocha vermelha escura usada para confeccionar ferramentas de caça e de processamento de materiais após a caça. Foram encontrados núcleos e microlâminas de 5 a 6 cm de comprimento, provavelmente utilizadas como pontas de flechas e para tarefas domésticas. A análise microscópica do desgaste revelou vestígios de açougue e processamento de plantas, destacando o papel central dessas ferramentas na vida cotidiana.

Os acampamentos à beira dos lagos parecem ter sido temporários, refletindo um estilo de vida nômade. Pequenos grupos familiares se deslocavam entre os corredores montanhosos e retornavam aos lagos em períodos mais chuvosos. Quando o clima se tornava mais severo, muitos buscavam refúgio nas Montanhas Altai, onde cavernas forneciam abrigo. Vestígios humanos nessas áreas remontam a pelo menos 27 mil anos, incluindo a descoberta de um dente de 25 mil anos, o fóssil humano mais antigo já identificado na Mongólia.

"Também demonstramos que essas comunidades eram muito ativas na exploração das terras altas das Montanhas Altai. Descobrimos duas cavernas nas quais observamos vestígios de atividade humana que datam de 27 mil anos", explicou Masojć. "Os vestígios de assentamento nas montanhas mostram que as comunidades que viviam perto de lagos, quando as condições climáticas se tornaram opressivas, buscaram refúgio nessas áreas mais altas".

As descobertas ajudam a repensar antigas interpretações sobre a ocupação humana do Gobi. Antes, acreditava-se que os grupos pré-históricos só se estabeleceram ali durante o ótimo climático do Holoceno Médio. No entanto, as novas evidências mostram que os humanos viveram na região muito antes, aproveitando os recursos oferecidos pelos lagos e pântanos. Além disso, o desenvolvimento de tecnologias como a produção de microlâminas e a descamação por pressão demonstra a capacidade de inovação dessas comunidades diante das pressões ambientais.

Esses resultados revelam que o Gobi não era o deserto vazio que se imagina hoje, mas sim um antigo centro fértil de atividade humana. Lagos sazonais garantiam recursos essenciais, enquanto as montanhas ofereciam refúgios em tempos difíceis.

Essa relação dinâmica entre pessoas e ambiente reforça a resiliência dos primeiros caçadores-coletores, que adaptaram suas estratégias de sobrevivência com mobilidade e engenhosidade. A equipe de pesquisa continua investigando o Vale do Flint e regiões próximas, onde dezenas de locais arqueológicos permanecem em estudo.

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