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Um dos mistérios mais duradouros da arqueologia europeia acaba de ser solucionado. Após mais de um século de incertezas, pesquisadores confirmaram que uma ossada descoberta em 1915, na Ilha Margarida, em Budapeste, pertence ao duque húngaro Béla de Macsó, assassinado em novembro de 1272, durante uma disputa pelo poder na corte do Reino da Hungria. A conclusão encerra um enigma que atravessou guerras, mudanças políticas e o desaparecimento temporário dos próprios ossos.
A identificação só foi possível graças à combinação de análises de DNA antigo, estudos isotópicos, datação por radiocarbono e uma reavaliação antropológica minuciosa. O trabalho, conduzido por uma equipe internacional coordenada pela Universidade Eötvös Loránd, reuniu especialistas da Hungria, Itália, Áustria, Finlândia e Estados Unidos, mostrando como a ciência moderna pode reescrever capítulos inteiros da história medieval.
Os restos mortais foram encontrados durante escavações no antigo mosteiro dominicano da Ilha Margarida, um dos sítios arqueológicos mais importantes de Budapeste. O enterramento em um espaço privilegiado e os sinais evidentes de violência nos ossos sugeriram, desde o início, que se tratava de um personagem de alto status.
Ainda assim, a tecnologia disponível no início do século XX não permitia confirmações conclusivas. Com o passar das décadas, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, a ossada praticamente desapareceu do radar científico. Muitos especialistas acreditavam que ela tivesse sido destruída ou perdida nos bombardeios e reorganizações de acervos.
O crânio do indivíduo investigado do mosteiro dominicano do século XIII na Ilha Margarida, em Budapeste. — Foto: Elte Institute of Biology A virada ocorreu apenas em 2018. Durante um inventário de rotina, uma caixa de madeira contendo ossos pós-cranianos foi identificada no Museu Húngaro de História Natural. O crânio, por sua vez, estava guardado há décadas na Coleção Aurél Török, na Universidade Eötvös Loránd. A reunião dessas peças permitiu iniciar uma investigação completa usando ferramentas científicas contemporâneas.
DNA confirma linhagem real
A análise genética foi decisiva. Pesquisadores do Instituto de Arqueogenômica recuperaram DNA suficiente para mapear relações de parentesco com figuras históricas da dinastia Árpád, que governou a Hungria entre os séculos IX e XIV. A comparação confirmou que o indivíduo era bisneto do rei Béla III, além de apresentar características genéticas compatíveis com a dinastia Rurik, de origem viking, que estabeleceu reinos poderosos na região da atual Ucrânia.
O estudo genômico revelou, ainda, um mosaico de ancestralidades: componentes escandinavos ligados aos Rurikidas; marcadores do Mediterrâneo Oriental associados ao Império Bizantino, do qual descendia sua bisavó materna; e elementos típicos da Europa Central medieval. Essa mistura genética retrata com precisão o cenário político da época, marcado por alianças dinásticas e casamentos entre casas reais.
Com esse resultado, Béla de Macsó se torna o segundo membro da Casa de Árpád a ter sua identidade confirmada por exames científicos, um feito raro na arqueologia europeia, de acordo com comunicado.
O esqueleto indica que Béla tinha pouco mais de 20 anos ao morrer. Estudos isotópicos revelaram que ele passou a primeira infância na região de Vukovar e Sirmia, hoje Croácia e Sérvia, território que integrava o Banato de Macsó. Essa informação combina com registros históricos que citam Béla como governante da região.
A assinatura isotópica da adolescência e vida adulta sugere uma mudança para a área de Budapeste, condizente com seu papel político na corte húngara.
Genealogia do duque Béla de Macsó — Foto: Elte Institute of Biology Os pesquisadores também analisaram o tártaro dentário, encontrando mais de mil microfósseis alimentares. Grãos de amido revelaram o consumo de pão de trigo, sêmola e outros alimentos refinados, típicos de famílias nobres. Proteínas associadas ao consumo de peixes e frutos do mar explicam o desvio identificado na datação por radiocarbono, causado pelo chamado "efeito reservatório".
Além disso, o estado geral dos dentes e ossos mostra que Béla tinha acesso a uma dieta nutritiva e recursos médicos relativamente avançados para a época.
A investigação forense documentou 26 ferimentos perimortem, ou seja, infligidos no momento da morte. Entre eles, nove golpes no crânio e outros 17 distribuídos pelo corpo. O padrão revela um ataque coordenado envolvendo ao menos três agressores armados com lâminas distintas, como sabres e espadas longas.
Os ferimentos defensivos nos braços mostram que Béla percebeu a emboscada e tentou se proteger. No entanto, a ausência de qualquer vestígio de armadura indica que ele foi surpreendido. Após vários golpes laterais que o derrubaram, o duque recebeu os golpes fatais quando já estava caído, um detalhe que reforça tanto a brutalidade quanto a intenção de garantir sua morte.
Documentos medievais relatam que Béla foi atraído para o que acreditava ser uma reunião política. Em vez disso, encontrou um ataque orquestrado por rivais da facção liderada por Ban Henrik "Kőszegi", uma figura poderosa na disputa pelo controle da Hungria.
Após o assassinato, seu corpo mutilado teria sido recuperado por mulheres de sua família, que garantiram seu enterro no mosteiro dominicano. Ali, seus restos permaneceram intocados por mais de sete séculos.
Um caso medieval resolvido
A reinvestigação do caso Béla de Macsó representa um marco para a bioarqueologia. O trabalho combinou genética, antropologia, química e história para oferecer uma reconstrução rara e completa da trajetória de um nobre medieval, desde sua origem e modo de vida até o momento exato de sua morte.
Além de solucionar um crime de 700 anos, o estudo demonstra o potencial da ciência forense moderna em revisitar casos históricos, preenchendo lacunas deixadas por documentos incompletos ou perdidos ao longo do tempo.
Sete séculos depois, a ciência conseguiu devolver uma identidade, uma história e um contexto a um dos assassinatos mais brutais da Idade Média húngara e, ao fazer isso, iluminou parte essencial do passado europeu.

há 1 semana
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