De vítima a réu: estudo expõe como pessoas que ligaram à polícia podem se tornar suspeitas

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Pessoas que ligam para a polícia relatando alguma situação violenta ou criminosa podem se tornar suspeitas do caso que estão expondo, se houver falta de emoção e urgência no tom de voz. Um estudo registrado nesta terça-feira (23) no site de pré-impressão PsyArXiv (ainda sem revisão por pares) expõe como isso pode levar a condenações injustas.

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A pesquisa foi liderada por estudiosos da Universidade Cornell, nos Estados Unidos. Ao todo, foram feitas 4 análises envolvendo cerca de 300 policiais e 1.800 pessoas. As autoridades receberam chamadas simuladas e reais.

Os pesquisadores buscaram entender como os investigadores tentam prever a culpa através das suposições de comportamentos suspeitos nas ligações telefônicas. Para entender melhor como isso acontece, a equipe teve acesso a um extenso banco de dados contendo ligações para o 911 (número para acionar a polícia nos EUA, similar ao 190 no Brasil).

Durante as ligações, a equipe identificou 5 comportamentos que fazem o próprio interlocutor parecer suspeito: falta de urgência, emocionalidade, a carga cognitiva, o seu gerenciamento de impressões durante a ligação e seu manejo de informações.

Cerca de 4 em cada 5 participantes da pesquisa citaram a emoção como o comportamento mais frequente e como um fator decisivo para aumentar ou diminuir suspeitas. De modo geral, os indivíduos eram menos suspeitos do crime relatado caso transmitissem muitos sentimentos e desespero durante a ligação. Por outro lado, as suspeitas aumentavam quando o indivíduo transmitia uma comunicação ruim, tinha muita cautela ao falar as informações e tentava causar uma boa impressão.

Conforme o estudo, quando indivíduos se tornam suspeitos, as autoridades ficam mais propensas a investigar, procurar evidências e confirmar sua desconfiança. Com as ligações de emergência, é possível buscar fatos e evidências atreladas ao caso. Contudo, essas chamadas não devem ser usadas para culpar alguém — como é feito por alguns policiais.

"Criar expectativas sobre o comportamento das pessoas em ligações para o 911é perigoso", disse Jessica Salerno, professora do Departamento de Psicologia da Universidade Cornell, em comunicado. "As pessoas se comunicam de maneiras muito diferentes devido a diferenças culturais e de personalidade, neurodivergência, deficiências ou simplesmente ao intenso estresse da situação. Não existe uma resposta única para eventos traumáticos".

Salerno cita o caso de Robert Roberson, um texano condenado e sentenciado por supostamente ter sacudido sua filha bebê até a morte. O problema é que não há indícios conclusivos do crime e agora médicos e até o mesmo o detetive que originalmente prendeu Roberson lutam por sua absolvição. Ele corre o risco de ser executado em outubro.

O que mais comprometeu Roberson foi que a equipe do hospital e a polícia perceberam que ele estava supostamente insensível ao relatar a morte da criança. No entanto, Salerno ressalta que ele foi diagnosticado com autismo severo e, por isso, não conseguiria expressar emoções como outras pessoas fazem normalmente.

A professora atua como testemunha especialista em outros dois casos e afirma que algumas mulheres se tornaram suspeitas após ligarem para a emergência relatando que seus bebês estavam com problemas de saúde. Os detetives receberam treinamento que supostamente os ensinava a reconhecer se alguém cometeu o crime sobre o qual estavam ligando.

As autoridades têm até mesmo uma lista de verificação para julgar se o comportamento se enquadra como “culpado” ou “inocente”. Entretanto, Salerno salienta que os detetives recebem um treinamento baseado na metodologia de pós-graduação de um deputado aposentado. Alguns cientistas já identificaram falhas nesse método aplicado pelas autoridades e ao menos seis estudos revisados ​​por pares não conseguiram replicar suas descobertas.

"Haverá momentos em que os palpites de um detetive sobre comportamento estarão corretos, mas infelizmente, muitas vezes não estarão", diz a especialista. "O problema está em achar que podemos julgar com precisão a intenção das pessoas com base em seu comportamento nesses momentos trágicos."

Durante a pesquisa, ligações realmente emergenciais denunciando atos violentos, inclusive, com o barulho de tiroteios no fundo, foram ouvidos pelos participantes. Mas, vozes feitas por dubladores com diálogos roteirizados baseados em situações reais também foram escutadas.

Chamadas com um teor menos emocional, mesmo envolvendo situações realmente violentas com tiroteios, levantavam mais suspeitas contra as vítimas. No geral, os participantes tiveram resultados muito semelhantes no julgamento das ligações, porém, os policiais apresentaram maior desconfiança com ligações feitas por homens.

Para Salerno, o estudo ajuda a identificar quais fatores contribuem para suspeitas precoces e pode evitar injustiças. "A melhor maneira de combater muitas condenações injustas é tentar evitar que a pessoa errada seja suspeita em primeiro lugar em vez de esperar consertar a situação mais tarde", ressalta.

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