ANUNCIE AQUI
Em dezembro é quase inevitável conversarmos sobre a arte e a ciência de presentear. Até dá para evitar, mas eu não quero. Acho fundamental falar sobre isso, dado o quanto de dinheiro desperdiçamos dando coisas que não gostaríamos de ter comprado para pessoas que nem queriam ganhar aquilo. Levantamentos feitos pelo mercado nos EUA e no Reino Unido dão conta de que o equivalente a mais de meio bilhão de reais é gasto em presentes que ninguém quer: lembranças protocolares, acessórios inúteis, objetos de decoração que não agradam.
Mas às vezes somos obrigados a presentar mesmo sem querer: um amigo secreto inescapável na empresa ou na família, por exemplo. Seria possível contar com auxílio da ciência para acertar no presente? Haverá algo que todo mundo goste?
De acordo com a Teoria da Autodeterminação, proposta nos anos 1970, existem três necessidades básicas psicológicas básicas de todo ser humano: autonomia – sensação de ter controle e ser livre em suas escolhas; competência – sentimento de ser eficaz, interagir com o ambiente e modificá-lo, desenvolvendo habilidades; e relacionamento – a criação de vínculos, interação entre pessoas, promovendo conexão e pertencimento. Essas necessidades são a base da motivação intrínseca – aquela força que nos leva a fazer as coisas porque queremos genuinamente, que nos trazem prazer em si mesmas, não dependendo de recompensas externas.
A ludicidade, incluindo brincar e jogar, talvez seja a expressão mais completa da motivação intrínseca. É um impulso prazeroso por si só, provavelmente fixado em nossos instintos por nos levar a praticar habilidades e adquirir competências. E é por isso que sugiro que presenteemos com jogos. Apesar de divertidos, eles são mais sérios do que imaginamos quando se considera o quanto preenchem nossas necessidades de autonomia – já que nos jogos somos obrigados a fazer nossas próprias escolhas -, competência – uma vez que estamos praticando ali diversas habilidades -, e obviamente relacionamentos – peça chave dos jogos de tabuleiro.
Seja qual for o perfil da pessoa que você precisa presentear, com a quantidade de títulos que temos disponíveis hoje em dia é impossível não encontrar uma opção que a agrade. Alguns lançamentos recentes mostram essa profusão de possibilidades.
Os títulos da série Similo (Grok Games), são ao mesmo tempo festivos e desafiadores. No mais recente lançamento, Animais aquáticos, uma pessoa precisa fazer com que até outros sete jogadores identifiquem especificamente um dentre doze animais marinhos. Ele só pode fazer isso mostrando outras cartas e dizendo se ela é semelhante à carta escolhida ou se é diferente dela. Existe muitas versões do jogo, de personagens históricos aos de Harry Potter, de animais da selva aos de Jurassic World. Em meio a risos estamos desenvolvendo o reconhecimento de padrões e até a habilidade de pensar como os outros.
Por falar em outros, no século 17 o pastor anglicano Richard Lingard escreveu que “Se você observar o temperamento de um homem enquanto o observa jogar, aprenderá mais sobre ele em uma hora do que em sete anos de conversa”. O jogo Panda Royale (Devir), que pode ser jogado por duas até dez pessoas, mostra isso como poucos. Ao longo de dez rodadas, só o que temos que fazer é lançar dados e somar seus resultados. Mas a cada rodada o número de dados aumenta, e podemos escolher entre várias opções: os dados que podem dar muitos pontos, mas são mais arriscados; os que têm um retorno médio, mas estável; os que nos permitem roubar dados de outras pessoas, ou até aqueles que nos fazem sempre estar na frente na hora de escolher o próximo dado. As partidas são tão divertidas como reveladoras de nossas tendências.
E para quem gosta de temas inspirados na ciência, o jogo Os Gatos de Schrödinger (MeepleBr) se inspira na famosa incerteza para desafiar os jogadores a blefar, manipular, deduzir e arriscar. Cada pessoa recebe cartas mostrando gatinhos vivos, mortos ou caixas vazias, e uma por vez deve arriscar um palpite sobre quantos gatos estão vivos, mortos ou quantas caixas estão vazias. As apostas crescem até que alguém questione o palpite – se ele estiver certo, quem duvidou é eliminado da partida. Caso contrário, quem arriscou aquele número é que sai do jogo. O último a sobrevier é o vencedor. Blefar e detectar o blefe alheio, além de raciocinar estatisticamente, pode ajudar muito a sorte.
Para partidas um pouco mais estratégicas, a Asmodee lançou recentemente Setup, um jogo em que é preciso colocar peças no tabuleiro formando conjuntos, sejam de números de naipes diferentes ou de sequências do mesmo naipe. Como os espaços do tabuleiro são interligados, contudo, a colocação estratégica das peças pode formar vários conjuntos ao mesmo tempo, permitindo com que se façam mais pontos, avançando mais rapidamente na trilha da vitória. É possível jogar individualmente, de dois a quatro jogadores, e também formar duplas, o que acrescenta mais uma camada de desafio às partidas, já que é preciso entrar perfeita em sintonia com o parceiro.
Já os jogos com o mecanismo “roll and write” desafiam o jogador a usar da melhor forma o que o acaso nos oferece. O jogo Cidade Motor (editora Mosaico), por exemplo, se passa nos anos dourados da indústria automobilística em Detroit. Nele, os jogadores assumem o papel de supervisores de uma fábrica, responsáveis por coordenar engenharia, testes, produção e vendas – tudo ao mesmo tempo. Cada rodada começa com a escolha de dados lançados numa “mesa de projeto”, e cada escolha determina onde investir atenção: pesquisas, teste de protótipos, linha de produção ou a venda final dos carros. É preciso um gerenciamento preciso de recursos para transformar eficiência industrial em potência e pontos de vitória. É o terceiro jogo de uma trilogia que inclui O quarteirão francês - que nos leva para passar por Nova Orleans e pontuar conforme visitamos pontos turísticos, assistimos shows ou aproveitamos a culinária -, e Três irmãs, que homenageia uma técnica indígena de plantar milho, feijão e abóbora juntos, aproveitando a sinergia entre eles. Ambos com a mesma mecânica de lançar dados e usar da melhor forma seus resultados, acrescentando estratégia à sorte.
Por fim, aproveitando a época natalina, o jogo Ghost of Christmas (Ludofun), é inspirado no Conto de Natal, de Dickens, e em seus fantasmas dos Natais passado, presente e futuro. As partidas são jogadas em vazas – aquela regra em que cada um coloca uma carta e geralmente a mais alta vence -, em três linhas do tempo diferentes. A cada rodada os jogadores precisam escolher quais cartas colocar em cada período, tentando superar os oponentes e reunir assim a maior quantidade de guirlandas e portas, garantindo a vitória.
Isso só para dar uma breve ideia da diversidade de jogos que temos hoje em dia. (Na maior feira de boardgames do mundo, que acontece anualmente na Alemanha, foram apresentados mais de mil títulos esse ano). Com tantas opções de presentes que englobam três necessidades básicas do ser humano, estou até revendo minha decisão de fugir dos amigos secretos.

há 1 dia
3
:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_fde5cd494fb04473a83fa5fd57ad4542/internal_photos/bs/2025/X/q/fwqrYtSlW7dorQyLcuBw/robot-holding-baseball-bat-3.jpg)
:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_fde5cd494fb04473a83fa5fd57ad4542/internal_photos/bs/2025/7/W/Hc28IlSgumADJdsjsLMQ/pexels-maria-kray-737731035-18674206.jpg)
:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_fde5cd494fb04473a83fa5fd57ad4542/internal_photos/bs/2025/1/c/UDWm5LQsmo4gw729vfCg/800-ollieandricky.jpeg)





Portuguese (BR) ·