Como é a perícia contra metanol em bares? Químico que oferece serviço explica

há 11 horas 1
ANUNCIE AQUI

O Brasil já soma 47 casos confirmados de intoxicação por metanol após ingestão de bebidas alcoólicas adulteradas, e que estão 57 em investigação, segundo dados do Ministério da Saúde atualizados na segunda (20). Até agora, 8 pessoas morreram, sendo 6 no estado de São Paulo e  2 em Pernambuco. Outros  8 óbitos seguem em investigação.

Para evitar o número de casos e diminuir o impacto financeiro, muitos bares tem recorrido a profissionais para obter laudos que comprovem a procedência de suas bebidas. O químico e perito forense Guilherme Lima é um desses profissionais, e oferece perícia preventiva a estabelecimentos na capital paulista.

Leia mais notícias:

Article Photo

Article Photo

Em entrevista à GALILEU, Lima conta que já prestou o serviço para 4 bares, entre eles, o Yellow K, que fica no bairro do Itaim Bibi.

A perícia e o laudo do perito podem custar de R$ 2 mil a R$ 7 mil, dependendo da quantidade de bebidas periciadas e a frequência com que o estabelecimento deseja que a análise seja feita. Fora isso, o bar ou restaurante precisa arcar com o custo do laboratório que conduzirá o exame.

Pós-graduado em Química Ambiental, Química Forense e Engenharia de Avaliação e Perícia, Lima explica que, a olho nu, é impossível detectar a contaminação por metanol. As bebidas destiladas são as mais atingidas por adulterações, porque nelas notar uma mudança na aparência é algo mais complexo.

"Os destilados possuem um teor muito alto de etanol, a diferenciação para metanol acaba sendo um pouco mais complicada e difícil", afirma. "Não altera a cor, o odor, nem nada do aspecto físico-químico da bebida. Com isso, acaba se tornando um produto mais barato. E justamente por isso que os destilados estão aí na mira da falsificação".

O metanol (CH3OH) é um solvente altamente tóxico, utilizado em produtos industriais. É um álcool, assim como o etanol (CH3CH2OH), porém, é muito mais tóxico, podendo matar em uma concentração de apenas 1 a 2 mL por kg de peso corporal. Há relatos ainda de cegueiras permanentes com doses de apenas 0,1 mL por kg, segundo o site da Sociedade Brasileira de Química (SBQ).

Enquanto isso, a dose letal do etanol é de em torno de 6 a 10 mL por kg. O etanol é metabolizado pela mesma enzima que o metanol: a álcool desidrogenase. Enquanto esse último vira acetaldeído e consegue ser eventualmente convertido em um composto oxidado pela respiração celular, o metanol vira um perigoso formaldeído.

Essa transformação ocorre no fígado durante um período lento de 12 a 24 horas, nos quais aparecem poucos sintomas de intoxicação. Após formado, o formaldeído é transformado muito rapidamente, por uma enzima chamada aldeído desidrogenase. Surge assim o ácido fórmico, que é extremamente tóxico para o organismo humano, podendo causar lesão do nervo óptico, danos no cérebro, entre outras graves consequências.

Inicialmente, os sintomas podem ser confundidos com os de uma ressaca comum, como dor de cabeça, tontura, náuseas, vômito. Eventualmente, podem ocorrer alterações visuais, confusão mental, taquicardia, dificuldade para respirar, convulsões e coma, podendo levar à morte.

Ainda não se sabe se os recentes casos de intoxicação por metanol no Brasil estão relacionados estritamente à sua adição em bebidas falsificadas (para dar mais volume). Outro foco de investigação seriam contaminações devido ao uso da substância para higienizar garrafas.

Lima reforça que não existem níveis seguros de metanol em bebidas alcoólicas — e que dificilmente essas intoxicações são acidentais. "A gente [da perícia] costuma dizer que quem manipula esse produto químico está ciente do que está acontecendo", diz.

 Acervo pessoal Guilherme Lima é perito forense e professor de química em uma escola privada e outra da rede estadual de SP. Ele oferece serviço de perícia preventiva a bares em meio à crise do metanol — Foto: Acervo pessoal

Como é feita a perícia preventiva?

Primeiro, o rótulo da garrafa é avaliado em busca de indícios de falsificação. O número do lote precisa ser compatível com a nota fiscal. Só então uma amostra, normalmente de 100 ml, é coletada pelo perito para envio a um laboratório parceiro, que conduz um método analítico chamado Cromatografia Gasosa acoplada à Espectrometria de Massas (GC-MS).

Essa metodologia combina duas técnicas: a cromatografia gasosa, que se baseia na separação de compostos voláteis em uma mistura, utilizando um gás como fase móvel; e a espectrometria de massa, que é baseada na medição da massa de íons, permitindo a análise de moléculas em níveis extremamente baixos de concentração.

O laudo preventivo, apontando se as bebidas do estabelecimento estão livres de contaminação, demora em torno de 10 dias úteis para sair. "Com essa perícia preventiva, bares mostram para os seus clientes que eles estão preocupados com a saúde pública e que eles não precisam entrar em pânico", ressalta Lima.

Tipos recorrentes de intoxicação

Embora o metanol seja o principal vilão da atual crise no setor de bebidas alcoólicas, o perito explica que a adulteração mais comum no Brasil ainda envolve o teor de etanol. "A porcentagem de álcool é muito maior do que era para ser. Às vezes, a falsificação é feita por diluição de água. Mas já ouvi peritos criminais afirmando que foram encontradas bebidas com álcool 70% (álcool etílico) na época da pandemia de Covid-19", conta. Outros casos envolvem bebidas artesanais diluídas com outros álcoois, como o de milho.

O químico ressalta que a maioria dos profissionais envolvidos na investigação de casos com metanol atua na perícia criminal — quando já existem vítimas. "Quando há o óbito da vítima por metanol e outras substâncias existe um protocolo no qual se costuma solicitar exames toxicológicos", conta. "Vão recolher amostras de sangue, de urina, de vísceras do pulmão, do estômago com todo o seu conteúdo e do rim também. Com todas essas amostras, o legista solicita uma análise toxicológica para a verificação de várias substâncias que podem ter causado aquela intoxicação", detalha.

Recentemente, o Ministro da Saúde, Alexandre Padilha, destacou a importância de manter medidas de prevenção. "Posso dizer que temos três regras em relação às bebidas alcoólicas: se beber, não dirija; se beber, mantenha-se hidratado e bem alimentado, pois isso reduz os impactos de uma bebida adulterada; e, se for beber, certifique-se da segurança da origem, verificando se o lacre está intacto”, alertou.

Para Lima, não é preciso deixar de consumir álcool, desde que essas medidas sejam tomadas com cautela. "Basta tomar cuidado onde irá fazer a ingestão, procurar bares legalizados, de confiança, que te apresente um laudo de qualidade. [O conselho é] procurar sempre esse tipo de estabelecimento para que você não corra o risco de contaminação", recomenda.

Ler artigo completo