ANUNCIE AQUI
Um fóssil humano descoberto há mais de 30 anos na China pode obrigar a ciência a reescrever a história da nossa espécie. Reanalisado a partir de novas tecnologias disponíveis, o crânio conhecido como Yunxian 2, datado de cerca de 1 milhão de anos, sugere que o Homo sapiens pode ter surgido muito antes do que se pensava - e, possivelmente, fora da África.
As conclusões, publicadas na quinta-feira (25) na revista Science, foram resultado de uma colaboração internacional. A equipe utilizou técnicas de reconstrução digital avançadas, como tomografia computadorizada de alta resolução, escaneamento de superfície e modelagem 3D, para recompor o crânio, encontrado originalmente esmagado e distorcido na província chinesa de Hubei em 1990.
Do Homo erectus ao “homem-dragão”
Por décadas, o fóssil foi classificado como pertencente ao Homo erectus, uma espécie que viveu entre 1,9 milhão e 250 mil anos atrás e é frequentemente considerada ancestral direto do homem moderno. No entanto, a nova análise revelou traços distintos.
Embora apresente mandíbula proeminente e formato robusto típicos do H. erectus, o tamanho da caixa craniana e os dentes indicam maior semelhança com o Homo longi. Popularmente conhecido como “homem-dragão”, trata-se de uma espécie descrita pela primeira vez há pouquíssimo tempo, em 2021. Acredita-se que ela possivelmente esteja vinculada aos denisovanos e neandertais.
“Isso sugere que, há 1 milhão de anos, nossos ancestrais já haviam se dividido em grupos distintos. Tal constatação praticamente dobra o tempo de origem do Homo sapiens”, explica Chris Stringer, líder em evolução humana no Museu de História Natural de Londres e coautor do estudo, em entrevista ao jornal The Guardian.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_fde5cd494fb04473a83fa5fd57ad4542/internal_photos/bs/2025/1/Z/mIRI5STxCf5OxvBNTZcA/human-evolution-yunxian-man-full-width.jpg.thumb.1920.1920.png)
Árvore genealógica antiga (e confusa)
Até agora, os dados fósseis e genéticos apontavam que a separação entre nossa linhagem e a dos neandertais e denisovanos teria ocorrido há cerca de 500 mil anos. A reinterpretação dos fósseis Yunxian, porém, indica que essa divergência pode ter começado ao menos meio milhão de anos antes.
Segundo comunicado publicado pelo Museu de História Natural de Londres, todos os hominídeos de cérebro grande que viveram nos últimos 800 mil anos parecem se encaixar em apenas cinco grupos principais: Homo erectus, Homo heidelbergensis, Homo neanderthalensis, Homo longi (incluindo os denisovanos) e o Homo sapiens. A novidade é que a separação entre essas linhagens teria ocorrido há mais de 1 milhão de anos, e não 500 mil como antes se acredita ter acontecido.
Isso reabre uma questão central: a origem do Homo sapiens poderia ter ocorrido não na África, mas, sim, em alguma região da Ásia Ocidental. Por mais que a hipótese ainda seja vista com cautela, ela sugere uma migração e diversificação muito mais complexas do que o modelo clássico do “berço africano exclusivo”.
Ceticismo e próximos passos
Nem todos os especialistas estão convencidos. “Se confirmada por fósseis adicionais e evidências genéticas, a datação por divergência seria realmente surpreendente. Alternativamente, dados moleculares do próprio espécime poderiam confirmar ou refutar a hipótese morfológica dos autores”, indica o professor Frido Welker, da Universidade de Copenhague, que não participou do estudo, ao The Guardian.
Para os cientistas envolvidos, a descoberta ajuda a esclarecer o que Stringer chama de a “confusão no meio” – isso é, a grande variedade de fósseis humanos datados entre 1 milhão e 300 mil anos atrás, de classificação incerta. Mas também abre espaço para novas dúvidas.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_fde5cd494fb04473a83fa5fd57ad4542/internal_photos/bs/2025/n/Y/rPCExdT1GsdzAdvX1pxQ/human-evolution-yunxian-skulls-two-column.jpg.thumb.1920.1920.png)
Se a linhagem do Homo sapiens já existia há mais de 1 milhão de anos, isso implica que formas primitivas de proto-sapiens, proto-neandertais e proto-heidelbergensis ainda não reconhecidas podem estar espalhadas em registros fósseis, apenas esperando para serem identificadas. E essa possibilidade deve ser explorada no futuro pelos profissionais.