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Se aquecimento global, tarifas, guerras, crises migratórias, fake news, negacionismo científico, polarização política e roubo de dados são pouco pra você, segure mais esta notícia: a peste negra ainda está circulando por aí! Mas calma, essa história carrega alguns asteriscos.
A peste bubônica, que ficou conhecida como “peste negra” na Idade Média, nunca deixou de existir. Por ano, são diagnosticados cerca de sete casos nos EUA, em média. No Brasil, o site do Ministério da Saúde registra dois focos da doença: um no Nordeste e outro em Teresópolis (RJ). Mas o último caso aconteceu em 2005, no Ceará.
A doença é causada pela Yersinia pestis, uma bactéria que é transmitida pela mordida de pulgas infectadas. Entre 1347 e 1351, na Europa, a peste matou 25 milhões de pessoas, mais que qualquer outra epidemia já registrada. A crise foi causada pela proliferação de ratos e pelo seu contato próximo com os humanos, que facilitava que áreas urbanas fossem infestadas pelas pulgas.
O que deu certo para conter a doença foi estabelecer quarentenas para os doentes e, posteriormente, a adoção de medidas de saneamento, a melhora da higiene pessoal e o incremento na prática medicinal. Mesmo assim, a peste acabou voltando em surtos ao longo dos próximos séculos — entre 1665 e 1666, a doença dizimou um quarto da população de Londres.
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Recentemente, pesquisadores da Universidade de McMaster (Canadá) descobriram outro motivo para o arrefecimento da doença: ela passou por uma mudança genética. Amostras da bactéria mostraram que algumas cepas da Yersinia pestis possuíam quantidades reduzidas do pla, um gene associado com a severidade da doença. Quando presente em níveis normais, o pla torna a infecção mais grave. Quando reduzido ou ausente, a doença tende a ser menos fatal.
A equipe de cientistas infectou camundongos com cepas modernas de Y. pestis que apresentavam níveis normais de pla, níveis reduzidos do gene ou que eram incapazes de expressá-lo completamente. Quando as bactérias foram injetadas sob a pele para imitar a forma de peste que afeta os linfonodos, os camundongos infectados com a cepa de pla reduzida viveram quase dois dias a mais do que os infectados com a cepa normal. A mortalidade também diminuiu de 100% com a cepa normal para 85% com a cepa reduzida.
A equipe também analisou os genomas de cepas antigas e modernas de Y. pestis para descobrir quão prevalente era a redução de pla. Entre 30% e 50% das cepas antigas obtidas a partir de estudos publicados anteriormente apresentaram sinais de redução, assim como três cepas modernas, isoladas de um humano e de dois ratos em 1994.
Ok, então a doença ficou menos mortal ao longo do tempo. Mas por quê? Com base em dados genéticos das cepas antigas e modernas, os cientistas descobriram que a redução foi causada pela extinção, dentro do genoma, de uma região de DNA de 2.100 pares de bases contendo o gene pla, e também pela integração de uma molécula de DNA chamada plasmídeo, que carrega o gene, em outras regiões.
Ravneet Sidhu, paleogeneticista e coautora do estudo, tem uma hipótese: a redução de pla pode ter ocorrido porque surtos repetidos de peste diminuíram a densidade das populações de roedores — afinal, os ratos também morrem da doença. Com menos ratos infectados correndo por aí, havia menos vetores da peste circulando.
Sidhu também ressaltou que, se os ratos permanecessem infectados por mais tempo, teriam mais chances de viajar entre populações fragmentadas, aumentando a probabilidade de espalharem a doença.
Ou seja, o que temos é um caso clássico de pressão evolutiva. Em populações de ratos menores e mais fragmentadas, as bactérias menos letais têm vantagem. Elas permitem que o rato infectado viva mais tempo, aumentando as chances de encontrar outro rato (e suas pulgas) e transmitir a doença. Dessa forma, essa versão menos letal da Y. pestis conseguiu sobreviver de forma mais regular, ao passo que a versão mais agressiva perdeu espaço porque matava os ratos muito rápido.