Split payment: entenda o sistema que vai mudar a forma de pagar impostos no Brasil

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De todas as inovações que virão com a Reforma Tributária, a partir de 2026, uma delas já desponta coma favorita para se tornar uma das mais transformadoras – e também desafiadoras – para as empresas brasileiras. O split payment, ou pagamento fracionado, mudará radicalmente a forma de recolher os novos tributos sobre consumo criados pela Lei Complementar nº 214/2025, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS).

Na prática, o mecanismo faz com que o valor dos impostos seja separado automaticamente no momento do pagamento da transação comercial. Ou seja, quando o consumidor paga por um produto ou serviço, a instituição financeira já divide o valor em duas partes: uma vai direto para os cofres públicos, da Receita Federal e do Comitê Gestor do IBS, e o restante é repassado ao fornecedor.

Com isso, o governo pretende reduzir a sonegação, inadimplência e fraudes fiscais, além de garantir arrecadação imediata e transparente. Mas, segundo especialistas ouvidos pelo InfoMoney, o modelo também impõe impactos significativos no fluxo de caixa das empresas e exige uma infraestrutura tecnológica robusta para processar milhões de operações na hora.

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Imposto em tempo real

“O split payment muda a lógica da arrecadação porque ao invés de ser declarado posteriormente ele passa a ser recolhido já no instante da transação, inaugurando o conceito do imposto em tempo real”, explica Paulo Zirnberger de Castro, CEO da Omnitax, empresa de tecnologia especializada em soluções para gestão tributária

Para o especialista, essa já é uma das mudanças mais disruptivas da história fiscal brasileira, criando um sistema automático de recolhimento de tributos. Segundo ele, a integração será feita por meio de interfaces, ou APIs, entre bancos, Fisco e sistemas das empresas. “O valor é automaticamente dividido: uma parte vai para o fornecedor, outra para o governo. Isso torna a arrecadação mais segura, mas exige tecnologia de ponta e governança fiscal integrada.”

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A legislação prevê três modelos:

a) Split Simplificado – voltado para operações com consumidores finais, com alíquota pré-definida;

b) Split com Gestão de Créditos – que reconhece créditos tributários acumulados e ajusta o valor líquido automaticamente;

c) Split Inteligente – o mais avançado, que fará validação em tempo real de débitos e créditos em toda a cadeia de fornecedores.

Desafios tecnológicos

Para a advogada tributarista Francine de Barros, sócia do escritório Candido Martins Cukier Advogados, o sistema traz benefícios principalmente em termos de transparência, mas cria vários desafios imediatos para empresas e instituições financeiras.

“O banco vai ser o responsável por separar o valor do imposto e repassar aos cofres públicos, deixando o contribuinte apenas com o valor líquido. Isso mexe profundamente no fluxo de caixa das empresas, que perdem o controle sobre o momento de recolher os tributos”, explica.

Por isso, ela destaca que a tecnologia será o ponto crítico de toda a transição. “O split payment exige uma forte integração com os bancos, com a Receita Federal e com o Comitê Gestor do IBS. E qualquer falha na plataforma pode travar pagamentos, gerar atrasos e até prejuízos. E, no começo, ninguém – nem mesmo o governo – está totalmente preparado para isso”, afirma a especialista.

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Francine lembra que 2026 será um ano de testes. “Será como trocar o pneu com o carro andando. Empresas e Receita vão aprender juntas. O modelo final é ousado e promissor, mas o caminho até lá será de muito ajuste. Mas tende a ficar fácil como a declaração pré-preenchida do IR da pessoa física”, compara.

Um modelo que vem de fora

O tributarista Caio Ruotolo, sócio do Silveira Advogados, explica que o split payment não é uma “invenção brasileira”. O modelo já é aplicado em países europeus e asiáticos e até no Chile, que inspirou a criação da nota fiscal eletrônica.

“O sistema é eficaz contra notas frias e fraudes em cadeia, pois o imposto é segregado no ato do pagamento. Além disso, o contribuinte passa a ter direito a ressarcimentos automáticos, já que o Fisco não pode alegar falta de recursos para devolver créditos tributários”, explica.

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Ruotolo afirma que, ao mesmo tempo em que reduz brechas para evasão, o modelo exige controle em tempo real dos créditos das empresas, que agora ficarão sob monitoramento direto da Receita. “A ideia é que o contribuinte só precise comprar e vender com nota. A simplificação é o objetivo final, mas ainda há um longo caminho até lá”, afirma.

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Custos e riscos

Segundo Morvan Meirelles Costa Junior, advogado tributarista e sócio do Meirelles Costa Advogados, a nova forma de pagamento de impostos também impõe novas responsabilidades a bancos e plataformas de pagamento, que terão de recolher automaticamente os tributos.

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“Esses processadores de pagamento vão precisar investir pesado em tecnologia, porque assumem uma responsabilidade fiscal inédita, uma vez que a lei prevê, inclusive, responsabilidade solidária em alguns casos”, disse.

Para Costa Junior, os maiores riscos estão na complexidade da transação, com a harmonização entre os sistemas dos entes federativos. “Qualquer descompasso entre União, Estados e Municípios pode gerar gargalos e inconsistências. E isso pode acabar encarecendo os serviços de pagamento.”

Ajuste de caixa e preparação

O impacto mais imediato, segundo Francine, será no caixa das empresas. “Como o recolhimento ocorre de forma imediata, o contribuinte perde o fôlego financeiro que antes tinha até o vencimento do imposto. Isso pode comprometer a liquidez, especialmente em setores com margens menores”, explica.

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Ela recomenda que as empresas se antecipem, simulando cenários de impacto e preparando suas equipes. “É essencial revisar sistemas de ERP, conciliação financeira e gestão de crédito tributário. A preparação também é de pessoal e isso é o que vai diferenciar quem sofre de quem se adapta.”

O que ainda falta definir

Apesar das diretrizes já estabelecidas pela Lei Complementar nº 214/2025, diversos pontos dependem de regulamentação. Entre eles, os parâmetros de alíquotas, o funcionamento das plataformas eletrônicas e as regras de compensação automática de créditos, segundo Francine de Barros.

“Hoje, tanto o setor privado quanto o próprio governo ainda não estão prontos para operar o sistema na sua forma plena. A transição deve ser feita a quatro mãos com a Receita, Comitê Gestor, bancos e empresas. E o primeiro ano servirá muito mais como um período de testes do que de cobrança efetiva”, afirma.

Enquanto isso, as empresas já são orientadas a simular impactos e planejar ajustes financeiros e tecnológicos.

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