Quem inventou o queijo?

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Em uma das histórias de Decamerão, a coleção de novelas do autor Giovanni Boccaccio, três pintores florentinos partem em busca de uma pedra mágica chamada heliotropo, que, segundo a crença popular medieval, teria o poder de tornar invisível quem a possuísse. Durante sua jornada, eles chegam a uma região imaginária chamada Bengodi, um lugar utópico e abundante. Boccaccio a descreve assim:

"Ali, em cima de uma montanha toda feita de queijo parmesão ralado, vivem pessoas que não fazem outra coisa senão preparar macarrão e ravioli, cozinhá-los em caldo de capão e depois jogá-los para baixo, para que os outros se atirem sobre eles. E perto dali corre um riacho de Vernaccia, o melhor vinho que já se bebeu, e não há uma gota de água nele."

Pode parecer um cenário meio estranho, mas lembre-se que era o século 14 e a Europa tinha acabado de passar pela epidemia de peste negra — Boccaccio estava querendo divertir a galera. A tal montanha de parmesão, porém, é um conceito que a humanidade deveria ter tornado realidade, você não acha? O mundo seria um lugar melhor se a gente tivesse uma montanha de parmesão.

O queijo parmesão tem suas origens no século 12, na área entre Parma e Reggio Emilia (Itália), onde monges beneditinos e cistercienses desenvolveram um método de fazer um queijo duro, de longa maturação, ideal para armazenamento e comércio. Quando Boccaccio escreveu seu livro, dois séculos depois, o parmesão já era uma iguaria prestigiada.

Mas o parmesão não foi, nem de longe, o primeiro queijo de que se tem notícia. A origem desse alimento está associada à domesticação dos animais, em especial as ovelhas — então talvez o queijo tenha surgido entre 8 e 10 mil anos atrás. Em 2013, um artigo científico na revista Nature apontou quase isso.

Os autores analisaram resíduos lipídicos em fragmentos de cerâmica perfurada (objetos que se assemelham a coadores) datados do sexto milênio a.C. em lugares da Europa setentrional. Nesses objetos, identificaram assinaturas químicas compatíveis com a produção/transformação de derivados lácteos — queijo. Com essas provas físicas, o estudo crava que as primeiras evidências inequívocas de fabricação de queijo na Europa pré-histórica aconteceram há cerca de 7.000 anos.

Mas esse não é o único registro milenar que temos. A produção de queijo é referenciada na mitologia grega, cerca de 4 mil anos atrás: o deus Aristeu, patrono da agricultura e dos pastores, era associado à apicultura, à produção de azeite e à fabricação de queijo. Já na Odisseia de Homero, o pastor Polifemo ordenha ovelhas e cabras, guarda o leite em cestos, coalha e guarda o soro — processo que lembra muito a fabricação do queijo, embora o nome do alimento não apareça na história.

O queijo também era consumido no Império Romano. Os historiadores da época Varro e Plínio, o Velho, escreveram sobre o tema, descrevendo tipos consumidos, regiões de produção e o processo de fabricação.

“Os tipos de queijo mais estimados em Roma, onde todas as coisas boas de todas as nações são julgadas por comparação, são aqueles que vêm das províncias de Nemausus, e mais especialmente das aldeias de Lesura e Gabalis; mas sua excelência dura muito pouco, e deve ser consumido enquanto está fresco.” — escreveu Plínio em sua Naturalis Historia do ano 77.

As legiões romanas, inclusive, gostavam muito do Pecorino Romano, um tipo de queijo feito de leite de ovelha e que tem alta durabilidade, o que o tornava ideal para levar durante as marchas. Esse queijo é produzido ainda hoje com a receita original e é um dos mais antigos da Itália.

Em 2018, cientistas encontraram um queijo de 3.200 anos de idade em um vaso numa tumba no Egito. Por muitos anos, especulou-se que os egípcios produziam queijo, já que há muitos murais pintados nas tumbas que mostram cenas de ordenhas e processamento lácteo. Mas esse queijo, encontrado no túmulo de Ptahmes, se tornou a prova absoluta. E é também o queijo mais antigo já encontrado no planeta!

Acredita-se que viajantes da Ásia foram quem levou o queijo para a Europa. Os romanos, por sua vez, introduziram a fabricação de queijo na Inglaterra. Durante a Idade Média, muitas das variedades mais populares hoje surgiram por lá. Por exemplo, o Gorgonzola começou a ser feito no Vale do Pó, na Itália, em 879 d.C. O Roquefort é mencionado nos registros antigos do mosteiro de Conques, na França, já em 1070.

Quando os ingleses colonizaram o Novo Mundo no século 17, levaram o queijo junto. No século 19, já havia muitas produções artesanais de queijo nos EUA.

No Brasil, a história do queijo está ligada à colonização portuguesa e à criação de gado leiteiro. Em sua famosa carta, Pero Vaz de Caminha escreveu: “Eles não lavram, nem criam, nem há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem outra nenhuma alimária, que costumada seja ao viver dos homens”. Os portugueses então organizaram a criação desses animais, instaurando a produção de leite e queijo.

A produção brasileira se acentuou no século 17, durante o Ciclo da Mineração, que ocorreu em Mato Grosso, Bahia, Goiás e principalmente Minas Gerais. No século seguinte, surgiu o Queijo Minas Artesanal, beneficiado pelo clima propício da Serra da Canastra. Hoje, esse queijo é Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro, conforme reconhecido pelo IPHAN em 2008. O Brasil também tem vários outros queijos próprios, como o Coalho (tradicional do Nordeste), o Colonial (tradicional do Sul), o Serrano (do RS) e o requeijão (tradicional de Sudeste e Nordeste).

Hoje, existem no mínimo 400 tipos de queijo conhecidos, embora alguns autores registrem mais de mil variedades. No mundo idealizado por Boccaccio, talvez pudéssemos ter uma montanha para cada um e viver felizes pulando de uma para outra, comendo queijo todo dia.

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