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Uma rádio do Amapá entrou na mira do Ministério das Comunicações, que tenta tirá-la do ar após uma fiscalização, no início deste ano, apontar “proselitismo político” em sua programação. Um dos trechos da programação da rádio, que constam na fiscalização realizada pela Anatel, mostra críticas à obra de uma rodovia, avaliada em R$ 100 milhões, que recebeu emendas do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). O ministério, comandado por um aliado de Alcolumbre, argumentou que a rádio atuava “em desacordo com sua categoria”, que é “exclusivamente educativa”.
Na semana passada, o ministro das Comunicações, Frederico de Siqueira Filho — indicado ao posto pelo presidente do Senado —, assinou portaria para suspender a renovação de outorga da rádio, conforme noticiado pelo jornal O Estado de S. Paulo e confirmado pelo GLOBO. A medida não surte efeito imediato, mas se soma a uma ação judicial, provocada pelo ministério, que pediu a cassação da outorga e a suspensão das atividades da rádio.
A rádio em questão, denominada Forte FM, é controlada por um político que concorreu ao Senado contra Alcolumbre em 2022. A outorga está em nome da Fundação Cultural e Assistencial Água Viva, entidade dirigida pelo ex-deputado Valdenor Guedes. Procurado, Alcolumbre afirmou que não exerce “qualquer participação ou influência na decisão referente à rádio citada” (leia a íntegra ao fim da reportagem).
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A fiscalização mostrou que a rádio fazia elogios recorrentes ao prefeito de Macapá, Doutor Furlan (MDB), outro adversário político do senador, o que embasou a alegação de que ela praticava “proselitismo político” e que atuava para “promoção pessoal do prefeito”. A pasta das Comunicações também disse ter constatado a existência de “propaganda comercial” na rádio, o que “destoa da finalidade da outorga de radiodifusão com fins exclusivamente educativos”.
A fiscalização da Anatel ocorreu entre os dias 6 e 28 de janeiro. O Ministério das Comunicações, ao pedir o cancelamento da outorga da rádio, destacou trechos entre os dias 7 e 9 que continham a propaganda de uma faculdade e “destaque a membros da administração municipal”. Segundo a pasta, a rádio era reincidente nas infrações.
A agência também transcreveu outros trechos da programação da rádio no procedimento administrativo que instruiu as medidas do ministério. Uma das gravações destacadas pela Anatel, e consultada pelo GLOBO, ocorreu no dia 13 de janeiro, e mostra dois apresentadores do programa “Forte Notícias” questionando o andamento da obra da rodovia Josmar Pinto, em Macapá.
Em 2023, reportagem do GLOBO revelou que a obra foi contratada no fim da gestão do ex-governador Waldez Góes, atual ministro da Integração, também indicado ao cargo por Alcolumbre. A empresa escolhida pelo governo do Amapá foi a de um suplente de Alcolumbre, e o então senador direcionou recursos do orçamento secreto para a obra. O Ministério Público do Amapá chegou a abrir procedimento para apurar irregularidades na obra, que teve sucessivos atrasos, mas arquivou o caso.
“O senador Davi jogou e joga muito dinheiro no governo do estado. Ele jogou R$ 100 milhões para a rodovia Josmar Pinto e o Clécio (Luís, atual governador) não conseguiu executar a obra”, disse um dos apresentadores da rádio.
Na mesma gravação feita pela Anatel, os apresentadores do programa contrapunham a atuação de aliados de Alcolumbre à gestão do prefeito de Macapá: “Ele (Furlan) executa qualquer obra em tempo recorde. (…) Hoje quem é o melhor prefeito da história de Macapá é o Furlan”, disse o apresentador. Furlan é tido como adversário de Alcolumbre para as eleições de 2030, tópico também abordado no programa em questão.
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O Ministério das Comunicações tentou cassar a outorga da rádio Forte em junho deste ano. Na ocasião, após o ministério concluir que havia reiteração de condutas irregulares na rádio, coube à Advocacia-Geral da União acionar a Justiça Federal de Brasília, com o pedido de que a emissora fosse imediatamente retirada do ar. O tribunal, porém, manteve a rádio funcionando enquanto analisa o mérito da ação.
No pedido à Justiça, o governo federal afirmou que a rádio veicula “músicas genéricas, cultos evangélicos, propaganda da Faculdade de Ciências da Amazônia e promoção pessoal do prefeito municipal”, e que não identificou nenhum “conteúdo educativo propriamente dito”.
“Especificamente quanto aos programas analisados, segundo o relatório de fiscalização o programa denominado ‘Forte Notícias’, apesar de sua denominação, não apresentava conteúdo noticioso, mas apenas veiculação de destaques a membros da administração municipal”, diz a ação.
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Em paralelo, o Ministério das Comunicações optou, na semana passada, pela medida de suspender a renovação da outorga. O próprio ministério havia renovado a autorização da rádio em janeiro deste ano, mas agora voltou atrás.
Em nota, a pasta informou que a rádio Forte executava “programação de rádio comercial”, prática “irregular e proibida por lei” para emissoras autorizadas a funcionar como rádio educativa. O ministério informou ainda que houve “reincidência”, hipótese em que “a legislação prevê cassação de outorga” via ação judicial.
Ainda segundo a pasta das Comunicações, a portaria assinada pelo ministro Frederico Siqueira Filho na semana passada “apenas interrompe o processo de renovação da outorga”, por conta da “constatação de irregularidades”, mas não tira a rádio do ar.
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“A rádio Forte FM pode continuar funcionando, pois, de acordo com a legislação brasileira, a outorga continua válida, mesmo fora do prazo, enquanto não é analisado o mérito de um pedido de renovação”, diz a nota.
A cassação de outorga não é das sanções mais comuns. No Diário Oficial, há apenas dois registros de punições similares a outras rádios neste ano, aplicadas pela Secretaria de Comunicação Social Eletrônica. Um dos casos é de uma rádio educativa de Goiás, que era alvo de uma apuração desde 2009. No outro caso, de uma emissora de TV no Pará, a cassação da outorga foi posteriormente convertida em multa.
Leia a íntegra da nota do presidente do Senado, Davi Alcolumbre:
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“O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, não exerce qualquer participação ou influência na decisão referente à rádio citada. A medida é de competência exclusiva do Ministério das Comunicações, que conduz o processo com base em critérios técnicos e dentro dos trâmites legais. Qualquer tentativa de associar o presidente do Senado à decisão administrativa não corresponde à verdade e não tem fundamento”.

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