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Dos 200 incêndios mais desastrosos do mundo registrados por especialistas ao longo de mais de quarenta anos, 43% ocorreram na última década. É o que indica uma pesquisa publicada na revista Science, que se baseou nos incêndios que provocaram maior perda de vidas humanas e financeira registrados em todo o mundo. O aumento da catástrofe provocada pelo fogo coincide com a intensificação de eventos climáticos extremos.
No trabalho, os pesquisadores, ligados a universidades da Alemanha, Estados Unidos e Austrália, analisaram registros de desastres provocados por incêndios de 1980 a 2023. A ideia era identificar tendências globais e temporais relativas ao impacto que incêndios têm sobre a população mundial.
As áreas que apresentaram maior tendência aos incêndios desastrosos estão ligadas a florestas mediterrâneas (na região do Mar Mediterrâneo) e coníferas, típica de localizações mais elevadas e frias.
A partir de 2015, o número de incêndios catastróficos tiveram um drástico crescimento. Segundo o artigo, a frequência dos eventos de maior fatalidade, classificados pelos autores como os que contabilizam dez ou mais mortes, aumentou 3,1 vezes entre 1980 e 2023, período no qual a população humana ficou 1,8 vez maior.
Já a frequência de grandes desastres econômicos subiu cerca de 4,4 vezes de 1980 a 2025. O dano material comparado ao PIB mundial chegou a seu pico em 2018, quando o prejuízo financeiro se tornou 5,1 vezes maior do que a média dos 44 anos, e totalizou US$ 28,3 bilhões ou 0,03% do PIB global.
A elevação dos danos financeiros foi impulsionada pela América do Norte, onde houve o maior crescimento dos gastos, em razão, principalmente, de eventos na porção oeste dos Estados Unidos. O artigo cita o incêndio na Califórnia de 2017, que gerou prejuízo de US$ 17 bilhões. Países como os EUA e Austrália têm visto as suas temporadas de incêndios ficarem mais intensas nos últimos anos.
Os autores utilizaram duas bases de dados de desastres globais que continham registros sobre perdas econômicas e fatalidades associadas a incêndios. A primeira foi a base de dados privada NatCatService, compilada pela companhia de seguros global Munich Re. Para complementá-la, os autores recorreram à base pública EM-DAT, feita pelo Centro de Pesquisa em Epidemiologia dos Desastres. O cálculo das perdas econômicas levou em consideração o PIB das economias.
O real custo dos incêndios
Na avaliação da professora Letícia Couto Garcia, coordenadora do Laboratório Ecologia da Intervenção (LEI) da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), um dos méritos do trabalho é utilizar uma base de dados que, até então, não estava disponível.
A pesquisa também identificou que locais que somam maior densidade populacional e fogo altamente energético têm maior tendência a incêndios catastróficos, como no caso das florestas, bosques e matagais mediterrâneos.
Regiões de alta densidade com população de relativa alta renda que vive próxima às florestas estão tendo significativo impacto financeiro. O estudo reconhece que eventos em regiões de menor poder aquisitivo recebem menos atenção, mas afirma que o balanceamento das perdas financeiras com o PIB reduz essa disparidade.
O artigo destaca que entre suas limitações está a de não detectar danos socio-econômicos indiretos do incêndio, como mortes decorrentes de problemas respiratórios após os eventos.
Garcia lembra também que o artigo leva em consideração apenas vidas humanas, e não de organismos como animais e plantas silvestres, elementos importantes a serem considerados para calcular o dano provocado por incêndios. Ela cita como exemplo as queimadas no Pantanal de 2020 que provocaram a morte imediata de 17 milhões de animais vertebrados, de acordo com estudo publicado na revista Nature em 2021.
“Então, não morreu muita gente, porque é uma região com pouca densidade populacional, mas houve outras perdas relacionadas à vida silvestre”, pontua.
A especialista destaca que o fogo é um elemento que faz parte do globo, e animais e plantas o utilizam para sobrevivência. Em todos os continentes, exceto na Antártida, existem biomas adaptados a ele e, dentro dos próprios biomas, podem existir áreas que se beneficiam ou não desse elemento. O fogo também faz parte da interação da humanidade com o meio ambiente, e pode ser empregado como forma de manejo, a partir do conhecimento de comunidades tradicionais.
No entanto, a descoberta apresentada pelo artigo recém-publicado se soma a demais evidências de que as mudanças climáticas estão aumentando as condições meteorológicas favoráveis a incêndios. O estudo mostra que 85% dos incêndios catastróficos ocorreram nos anos em que os índices de tempo favorável ao fogo e de pressão de vapor estavam maiores do que em anos sem desastre.