Douek: Exclusividade entre MVNOs e MNOs e o redesenho do PGMC

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Por Daniel Douek – A recente reavaliação dos instrumentos regulatórios no setor de telecomunicações brasileiro foi catalisada por críticas diretas ao atual Plano Geral de Metas de Competição (PGMC), recentemente aprovado pela Resolução Anatel nº 783/2025. Dentre as críticas, destaca-se a avaliação de que o modelo vigente já não reflete a realidade do setor, necessitando de revisão urgente. Esta crítica reabre o debate sobre a eficácia das regulações assimétricas, desenhadas para fomentar a competição em um mercado que passou por transformações estruturais significativas.

O contexto desta discussão é um mercado de Serviço Móvel Pessoal (SMP) que, após a alienação dos ativos da Oi Móvel, teria supostamente assistido a um aumento da concentração e a uma redução das alternativas de acesso à infraestrutura. Neste cenário, as Operadoras Móveis Virtuais (Mobile Virtual Network Operators – MVNOs) são historicamente vistas como um instrumento regulatório essencial para fomentar a competição.

É precisamente nesse nexo que emergem tensões sobre práticas contratuais específicas. As cláusulas de exclusividade firmadas entre MVNOs e Operadoras de Rede Móvel (Mobile Network Operators – MNOs) tornam-se um ponto focal de análise. A questão central que se impõe é: até que ponto a exclusividade contratual representa a proteção legítima de investimentos e estratégias empresariais, ou, inversamente, funciona como uma barreira que compromete a entrada, inovação, escala de novos entrantes?

O Dilema da Exclusividade

A análise da exclusividade exige uma distinção entre as formas e motivações econômicas que a sustentam, bem como a observação de como reguladores internacionais tratam práticas análogas.

A exclusividade pode se manifestar de duas formas principais, com implicações distintas para a competição:

  • Exclusividade de Jure (contratual): refere-se a cláusulas expressas no contrato entre a MNO e a MVNO, que impedem a operadora virtual de contratar acesso à rede de múltiplas MNOs. Esta é uma restrição negociada que vincula a MVNO a um único fornecedor de infraestrutura.
  • Exclusividade de Fato (técnica ou operacional): esta forma é mais sutil. Ela não deriva de uma cláusula contratual, mas de barreiras operacionais ou técnicas. Exemplos podem incluir a criação de limitações técnicas que gerem uma dependência ou efeito de lock-in operacional, tornando inviável a contratação de outra rede.

O debate sobre a validade dessas práticas é equilibrado, apresentando argumentos legítimos de ambas as perspectivas, o que reforça a cautela adotada por órgãos reguladores (setorial e antitruste) na avaliação do tema:

  • Argumentos a favor (Visão Investimento): A exclusividade oferece previsibilidade de tráfego e receita para a MNO, o que pode justificar investimentos em plataformas dedicadas, customização da rede para atender demandas específicas da MVNO e um alinhamento estratégico de longo prazo.
  • Argumentos contra (Visão Pró-Competição): A exclusividade limita a capacidade da MVNO de ganhar escala e de oferecer um serviço com a cobertura composta de múltiplas redes. Em um cenário onde todas as MNOs exijam exclusividade, o mercado de atacado para MVNOs se fecha, aumentando o risco de lock-in.

Essa cautela está refletida na literatura e jurisprudência antitruste. O CADE não considera acordos de exclusividade contratual como um ilícito per se (presunção absoluta de ilicitude), reconhecendo que tais restrições verticais podem apresentar eficiências importantes, como o incentivo a investimentos. A licitude dessas práticas é aferida por meio da análise caso a caso segundo a regra da razão (rule of reason), que exige a ponderação entre as eficiências e os efeitos anticompetitivos no mercado para avaliar a ilicitude da conduta. Para que a exclusividade seja condenada, o CADE exige a demonstração de três condições cumulativas: que a empresa que impõe a restrição detenha posição dominante (presumida a partir de 20% do mercado relevante); que a conduta gere (ou tenha o potencial de gerar) efeito de fechamento de mercado; e que não existam eficiências compensatórias suficientes para compensar o dano concorrencial.

Em investigações recentes envolvendo empresas atuantes nos mercados digitais (iFood, Wellhub/Gympass) e de cervejas (Ambev), o Tribunal do CADE demonstrou uma tendência a impor limites quantitativos rigorosos (como percentuais máximos de pontos de venda ou volume de vendas com exclusividade), estabelecer um limite temporal para exclusividade, além de proibir cláusulas com multa excessivas e restrições à contratação de concorrentes após o encerramento da exclusividade.

Mas a discussão de exclusividade pode se transformar em caso de recusa de contratar quando a prática produz efeitos de fechamento de mercado equivalentes à negativa de acesso. Nesses casos, o CADE também não considera a conduta um ilícito per se. A prática pode ser vista como problemática quando o objeto da negativa é uma infraestrutura ou insumo essencial para a competição no mercado a jusante (downstream/varejo). Para configurar uma infração concorrencial, os requisitos incluem: que o bem/insumo seja fundamental para a concorrência; que haja a impossibilidade prática ou econômica de duplicação ou fornecimento por concorrentes; a efetiva recusa de acesso; a viabilidade técnica de compartilhamento; e que o agente que controla o bem/insumo essencial tenha posição dominante. O CADE aplica esses requisitos de forma cautelosa, reconhecendo a obrigação de compartilhamento para promover acesso a infraestruturas essenciais, mas buscando evitar que tal imposição desincentive a inovação e o investimento.

A experiência estrangeira

O dilema brasileiro não é isolado. Reguladores na Europa têm analisado o impacto de acordos deste tipo no mercado móvel.

Na União Europeia, o Organismo de Reguladores Europeus das Comunicações Eletrônicas (BEREC) e a Comissão Europeia (European Commission – EC) têm manifestado preocupações sobre práticas no mercado de atacado móvel que, efetivamente, limitam a competição. Parte da análise foca em barreiras técnicas e contratuais no emergente mercado de M2M (Machine-to-Machine) e IoT (Internet of Things). Alguns casos apontam que MNOs com posições dominantes podem usar exigências de volumes mínimos de compra ou a demora na atualização de contratos de atacado para novas tecnologias (como 5G e eSIM) como uma forma de “recusa construtiva” de fornecimento a MVNOs, prejudicando a inovação.

Historicamente, em análises de fusões de MNOs, a Comissão Europeia e reguladores nacionais frequentemente exigiram que a entidade resultante franqueasse o acesso no mercado de atacado para MVNOs em termos justos e não exclusivos como um remédio para aprovar a operação. Acordos de rede exclusivos e de longo prazo entre MNOs e MVNOs foram vistos como restritivos à competição no mercado de varejo, especialmente se vinculassem operadoras virtuais novas ou menores a um único MNO.

O BEREC, em diversos documentos recentes, tem reiterado preocupação com práticas adotadas por MNOs que podem limitar a eficácia competitiva dos MVNOs no mercado europeu. Embora não proponha uma proibição genérica às cláusulas de exclusividade, o órgão reconhece que determinadas restrições técnicas, comerciais e contratuais — como limitações de tipo de serviço, bloqueio de funcionalidades (como eSIM e VoLTE), preços discriminatórios no atacado e cláusulas de exclusividade — podem produzir efeitos semelhantes a uma recusa de acesso, prejudicando a contestabilidade do mercado. Em especial, o BEREC aponta que tais práticas podem ser incompatíveis com o funcionamento do mercado único digital, sobretudo no contexto de serviços M2M/IoT e 5G. Por isso, recomenda que as autoridades reguladoras nacionais considerem condições de acesso abertas, transparentes e não discriminatórias nos mercados de atacado, inclusive com análise cuidadosa de eventuais cláusulas que possam consolidar poder de mercado ou impedir a replicação de ofertas pelos MVNOs.

A Perspectiva Brasileira: PGMC e o Papel dos MVNOs

No Brasil, a discussão sobre exclusividade ocorre sobre um arcabouço regulatório ambíguo e um mercado com desafios competitivos claros.

No mercado brasileiro de SMP a participação de MVNOs é notadamente baixa, representando menos de 2% das linhas móveis ativas, em comparação com mercados europeus onde essa participação pode chegar a 15%.

Regulamento Geral dos Serviços de Telecomunicações – RGST. Para alguns, a raiz da ambiguidade reside no RGST, aprovado pela Resolução nº 777/2025 da Anatel, que atualmente regulamenta a operação de MVNOs. De acordo com o RGST (arts. 217, § único e 241, §2º), tanto operadoras virtuais do modelo credenciada quanto do modelo autorizada possuem a faculdade de celebrar contratos com mais de uma prestadora de origem.

A regulamentação privilegia o princípio da livre negociação. Nesse contexto, surge a questão: a faculdade conferida pela regulamentação constitui uma proibição para que a MNO exija exclusividade, ou apenas uma permissão para que a MVNO busque múltiplos contratos, caso consiga negociá-los? A resposta parece clara: o regulamento não veda explicitamente a exclusividade.

A Tensão na Revisão do PGMC. O processo de revisão do PGMC, que culminou na aprovação da Resolução Anatel nº 783/2025, foi marcado por intensa deliberação sobre o tema da exclusividade. Durante a Consulta Pública nº 64/2023, propostas foram apresentadas visando definir o mercado de MVNO como um mercado relevante de atacado e proibir explicitamente as cláusulas de exclusividade.

No julgamento, após o voto-vista do Conselheiro Alexandre Freire, o Conselho Diretor da Anatel decidiu aprovar o novo PGMC, nos termos propostos pelo ex-Conselheiro Substituto Vinícius Caram, Relator, por meio da Análise nº 20/2025/VC, com os acréscimos e alterações propostos pelo Conselheiro Alexandre Freire por meio do Voto nº 6/2025/AF.

De fato, o Conselheiro Alexandre Freire, Relator do Acórdão, manifestou divergência em pontos cruciais da proposta de revisão do PGMC, notadamente no que diz respeito à exclusividade no Roaming Nacional e à necessidade de regulação assimétrica para o mercado de MVNO.

Sobre a exclusividade no Roaming Nacional, o Conselheiro Alexandre Freire divergiu da proposta do Relator (que vedava a exclusividade, exceto para o 5G standalone). Ele defendeu que a regulamentação do roaming nacional deve salvaguardar a liberdade contratual das partes, permitindo a inclusão de cláusulas de exclusividade. O Conselheiro argumentou que, em certos contextos, a exclusividade é uma condição essencial para a realização de investimentos em infraestrutura de cobertura, pois proporciona maior previsibilidade econômica e mitiga riscos. Alertou que uma vedação ampla e abstrata restringiria a inovação de modelos de negócio e poderia incentivar prestadoras a postergarem a expansão de suas próprias redes, confiando no acesso irrestrito às redes das incumbentes (comportamento free rider). A posição final do Conselheiro Alexandre Freire é que a exclusividade deve ser admitida, desde que seja submetida à análise da Anatel para a coibição de abusos, garantindo que a disciplina concorrencial seja aplicada de forma proporcional e baseada em evidências.

Em relação ao mercado de atacado de MVNO, o Conselheiro Alexandre Freire votou pela desnecessidade de regulação assimétrica. Ele discordou da manutenção de obrigações assimétricas específicas (como as de transparência e controle de preços propostas pelo Relator), pois concluiu que não há fundamento econômico que justifique tal intervenção ex-ante. Sua análise apontou que a rivalidade no SMP foi preservada após a saída da Oi Móvel, e que o ecossistema de MVNOs está em expansão orgânica (mais de 180 operadoras virtuais). Indicadores de portabilidade numérica e o crescimento de acordos voluntários também mostrariam que não existem barreiras intransponíveis ou falhas estruturais que demandassem regulação assimétrica. O Conselheiro concluiu que as normas gerais do SMP e os instrumentos de defesa da concorrência ex-post (como o procedimento de reclamação administrativa no caso de recusa de acesso) seriam suficientes para garantir a contestabilidade do mercado. Defendeu, por fim, que a remoção dessas obrigações está alinhada à política setorial de estímulo à competição baseada em infraestrutura e de redução de intervenções regulatórias desnecessárias.

Após a publicação da decisão, foram opostos embargos de declaração e interpostos recursos administrativos por terceiros interessados.

Nesse contexto, destaca-se o recente voto do Conselheiro Vicente Aquino, proferido ao analisar os pedidos de reconsideração. Em sua Análise nº 108/2025/VA, o Conselheiro Vicente Aquino reiterou a posição firmada no Acórdão nº 247/2025 sobre as cláusulas de exclusividade em contratos de Roaming Nacional, esclarecendo que estas devem ser submetidas à análise da Anatel. O objetivo dessa submissão prévia é coibir abusos e práticas anticompetitivas por parte das prestadoras que detêm Poder de Mercado Significativo (PMS). O Conselheiro defendeu que, quando monitorada, a exclusividade pode ser considerada uma condição essencial para a realização de investimentos em infraestrutura de cobertura, pois oferece maior previsibilidade econômica e mitigação de riscos. Ao permitir a exclusividade nos contratos de roaming nacional sob vigilância regulatória, o Conselheiro Vicente parece sinalizar a busca por equilíbrio entre incentivo à competição e promoção do planejamento sustentável de redes, argumentando que a proibição ampla e abstrata restringiria a inovação de modelos de negócio e poderia levar à implantação de redes de forma não eficiente.

Em relação ao mercado de atacado de MVNOs, porém, o Conselheiro Vicente sustentou que a regulamentação vigente veda a exigência de exclusividade nas negociações entre MNOs e MVNOs. Este entendimento se fundamenta, a seu ver, nos dispositivos do Regulamento Geral dos Serviços de Telecomunicações (RGST), aprovado pela Resolução Anatel nº 777/2025 mencionados anteriormente (Arts. 217, § único, e 241, §2º). Como visto, esses dispositivos conferem o direito tanto às Autorizadas quanto às Credenciadas virtuais de celebrarem contratos com mais de uma Prestadora Origem numa mesma Área de Registro. O Conselheiro destacou que essa prerrogativa é um valioso instrumento competitivo, que afasta restrições regulatórias e possibilita um ambiente mais fértil para o desenvolvimento das MVNOs, inclusive para o segmento de IoT/M2M.

Realmente, o texto final do PGMC, aprovado pela Resolução nº 783/2025, parece ter consolidado a interpretação da liberdade contratual.

No que se refere ao Roaming Nacional, uma análise do texto aprovado indica que o PGMC permite a adoção de cláusulas de exclusividade (Art. 66, § 6º). O controle prévio das cláusulas de exclusividade em contratos de roaming nacional é exercido pela Anatel mediante a homologação dessas Ofertas de Referência de Produto de Atacado (ORPAs), que devem ser públicas, isonômicas e não discriminatórias. As ORPAs estabelecem os termos e condições gerais da oferta e servem como base para a negociação de produtos no atacado.

No entanto, ao focar o controle na homologação de ofertas genéricas de atacado fora do contexto de uma negociação específica, a estrutura regulatória pode dificultar uma análise casuística (caso a caso) dos potenciais efeitos de uma eventual exclusividade em contratos específicos. Essa limitação pode ser vista como um desafio para uma análise mais detalhada dos impactos concorrenciais, a qual é usualmente adotada em análises ex post típicas do direito antitruste, em contraste com a abordagem ex ante do PGMC.

Adicionalmente, o mercado relevante de Roaming Nacional engloba a oferta de conectividade para usuários de outras redes de telecomunicações móveis fora da área de prestação da prestadora contratante, incluindo tanto pessoas naturais quanto dispositivos destinados à comunicação M2M ou de IoT. O PGMC estabeleceu uma medida específica, conhecida como Roaming EIR (roaming dentro da área de prestação), que visa promover a competição e reduzir barreiras à entrada.

Essa prerrogativa, entretanto, é uma exceção regulatória de caráter temporário (válida até 31 de dezembro de 2030) e se destina exclusivamente a operadoras regionais do SMP que detenham Autorização para Uso de Radiofrequência em Caráter Primário (ou seja, MNOs regionais). Seu objetivo é acelerar a operacionalização de novas entrantes no SMP, permitindo que utilizem a infraestrutura de terceiros de forma transitória enquanto constroem suas próprias redes. Essa distinção foi adotada para coibir o desvirtuamento do conceito de roaming e prevenir o comportamento free rider, que desincentivaria o investimento em infraestrutura própria.

No que diz respeito ao roaming com MVNOs, a regulamentação adota uma abordagem distinta e mais restritiva em certos aspectos. As MVNOs (tanto Autorizadas quanto Credenciadas) estão excluídas da possibilidade de contratar o roaming dentro de sua área de prestação. O fundamento para essa exclusão é que a conectividade intra-área é destinada a apoiar a expansão de infraestrutura física, um objetivo incompatível com o modelo de negócios de MVNOs, que não são essencialmente construtoras de redes.

Nesse ponto, vale lembrar que o Presidente da Anatel, Carlos Baigorri, expressou entendimento de que o aumento da concorrência efetiva na telefonia móvel no Brasil dependerá da expansão das operadoras regionais que adquiriram espectro de rádio, e não do aumento das MVNOs. Na sua visão, a competição é efetiva quando há múltiplas infraestruturas competindo, pois o uso de uma única infraestrutura limita a capacidade dos competidores de diferenciar cobertura e qualidade.

Por outro lado, como visto acima, o Conselheiro Vicente Aquino reiterou em sua análise que a prerrogativa de a MVNO poder contratar com múltiplos parceiros implica a vedação da exigência de cláusulas de exclusividade nas negociações entre MNOs e as MVNOs. Segundo essa interpretação, a cláusula de não exclusividade é uma consequência jurídica direta da liberdade de escolha conferida à MVNO pela regulamentação.

É fundamental notar, contudo, que a positivação de uma faculdade (“pode celebrar contratos com mais de uma Prestadora Origem”), que foca na opção da MVNO, não se traduz, de forma literal e imediata, em uma obrigação expressa de vedação à exclusividade (uma restrição ex ante) imposta à MNO. Ainda que isso não afaste um possível controle ex post por parte de Anatel ou CADE, o fato é que não foi inserida vedação explícita à celebração de exclusividade no PGMC.

Em uma decisão de grande repercussão em 2024 (com deliberações estendendo-se até 2025), o Conselho Diretor da Anatel validou, por unanimidade, uma cláusula de exclusividade no contrato de MVNO entre a Claro (MNO) e a NuCel (MVNO), operadora virtual controlada pelo Nubank, utilizando-se exatamente desse entendimento.

A decisão foi notável por reverter uma recomendação da área técnica da agência, que havia contestado a cláusula e condicionado a aprovação do contrato à sua retirada. Em sede de recurso, o Conselho Diretor da Agência, seguindo o voto do relator, Conselheiro Vicente Aquino, acatou os argumentos das empresas. A motivação centrou-se na interpretação do RRV-SMP (Art. 7º), então vigente, no sentido de que o regulamento não veda a exigência de exclusividade pela MNO, apenas garante o direito da credenciada (NuCel) de buscar múltiplos contratos, se assim desejar e conseguir negociar. Assim, a cláusula do contrato que impede a NuCel de firmar contratos com outras MNOs, sem a anuência da Claro, foi considerada legal sob a ótica regulatória vigente.

Um ponto que chama atenção nesse caso é a falta de uma avaliação do perfil desta MVNO. Aparentemente, a NuCel opera em um modelo estritamente B2C, com foco na vasta base de clientes do banco digital. Seus planos de voz e dados são um feature agregado ao ecossistema financeiro, com benefícios como o zero rating para o app do Nubank e vantagens de investimento. Neste modelo, a garantia de conectividade ininterrupta não parece ser o foco principal da oferta, mas um veículo para fidelização e agregação de valor financeiro. A exclusividade com uma MNO (Claro) é, portanto, uma decisão estratégica de nicho. Neste contexto, a validação da exclusividade no modelo B2C da NuCel suscita uma provocação: essa lógica seria aplicável a MVNOs com foco em B2B ou IoT/M2M, onde a garantia de conectividade contínua é crítica?

O PGMC também endereça a questão da conectividade para dispositivos M2M/IoT. De um lado, o PGMC e as decisões da Anatel parecem reconhecer a importância desse segmento, tanto que propõem que a vedação da cobrança de assinatura mensal para dispositivos M2M/IoT prevaleça até 27 de setembro de 2027, e preveem a introdução gradual de cobranças mensais a partir dessa data, buscando manter o equilíbrio regulatório até a maturidade do mercado. De outro, o mercado de M2M/IoT parece que ainda enfrenta desafios resultantes da interação entre as regras de exclusividade e as restrições ao roaming permanente.

O Brasil mantém um dos regimes regulatórios mais restritivos globalmente ao proibir o roaming permanente, essencial para implantações de IoT (como medidores inteligentes ou rastreadores) que exigem que o dispositivo permaneça conectado a uma rede por um longo período. Essa proibição incentiva provedores de conectividade IoT a obter licenças de MVNO locais e estabelecer parcerias com MNOs autorizadas no Brasil. Essa necessidade de estabelecer presença local e o compromisso com investimentos significativos geram incentivos para a formação de parcerias exclusivas ou semi-exclusivas entre MVNOs e MNOs locais, dificultando modelos de negócio que usam múltiplos MNOs parceiros (multi-home).

Por fim, a distinção entre comunicação interpessoal e M2M também parece central para a regulamentação do roaming permanente.

O mercado relevante de Roaming Nacional no Brasil, conforme definido pelo novo PGMC, não estabeleceu uma distinção regulatória rígida entre a comunicação interpessoal e a conectividade de dispositivos de IoT/M2M. Pelo contrário, a Anatel optou por uma regra abrangente, exigindo que a ORPA de Roaming Nacional dos Grupos com PMS contemple, no mínimo, “serviços de voz, dados e mensagem de texto, incluindo a conectividade de dispositivos destinados à comunicação máquina a máquina – M2M ou de Internet das Coisas – IoT”. Essa inclusão significa que o regime assimétrico de controle de preços e de transparência e tratamento isonômico aplicáveis ao roaming se estendem, em grande parte, ao segmento M2M/IoT.

Essa abordagem brasileira, ao agrupar serviços interpessoais e M2M sob um mesmo guarda-chuva regulatório, contrasta com o foco de entidades como o BEREC em diferenciar rigorosamente os serviços. Essa distinção parece importante para a regulamentação do roaming permanente, pois determina quais serviços devem receber medidas assimétricas de acesso ao mercado de atacado daquelas sujeitas à livre negociação.

Recomendações para o Debate Regulatório Brasileiro

A análise da legislação, das tendências internacionais e dos casos revela múltiplas possibilidades de aprimoramento do modelo regulatório brasileiro, especialmente à luz da evolução do PGMC e da crescente diversidade de modelos de MVNOs.

Considerando a relevância do tema e sua recorrência em discussões regulatórias e concorrenciais, pode ser útil refletir sobre a conveniência de (i) adotar critérios mais estruturados para análise ex ante ou ex post das cláusulas de exclusividade entre MVNOs e MNOs; e (ii) considerar a definição de parâmetros técnicos e econômicos objetivos para orientar a compatibilização entre liberdade contratual e promoção da competição.

Além disso, o desenvolvimento de modelos MVNO com múltiplos MNOs parceiros (multi-home) pode ampliar a resiliência técnica e diversidade de ofertas no mercado. Considerando a heterogeneidade crescente dos modelos de negócios das MVNOs, o debate regulatório pode se beneficiar de uma abordagem mais granular, observando:

(i)                      MVNOs orientadas ao B2C (varejo): onde a conectividade tende a atuar como funcionalidade complementar dentro de ecossistemas digitais mais amplos, a exclusividade pode ser considerada de menor risco.

(ii)                    MVNOs voltadas ao B2B/IoT (conectividade crítica): nos casos em que a conectividade é o núcleo da solução ofertada – como em soluções de IoT para logística/rastreamento, medição inteligente ou agronegócio – eventual exclusividade pode ter efeitos mais sensíveis sobre a continuidade do serviço, devendo, nesse contexto, ser analisada com atenção especial.

Do ponto de vista das MNOs, a celebração de contratos de atacado sem cláusulas de exclusividade pode representar uma estratégia comercial vantajosa em diversos contextos. Ao permitir que MVNOs operem com múltiplas redes simultaneamente (multi-home), a MNO amplia sua base de atacado sem comprometer integralmente sua capacidade de diferenciação no varejo. Essa abordagem pode aumentar a utilização da infraestrutura já instalada, diluir custos fixos de rede e gerar receitas incrementais recorrentes, sobretudo em mercados com pressão por monetização de espectro ou em regiões com baixa penetração.

Além disso, contratos não exclusivos tendem a ser mais atrativos para MVNOs inovadores, que buscam redundância técnica e flexibilidade comercial — o que pode posicionar a MNO como plataforma de referência para projetos de IoT, fintechs e serviços convergentes. Casos como os da Vodafone no Reino Unido, da Orange na França e Espanha, e da Telenor nos países nórdicos, ilustram como a adoção de uma política de acesso não exclusivo pode integrar uma estratégia pró-competição sem comprometer a sustentabilidade da MNO.

Daniel Douek é sócio do escritório Mundie Advogados

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