Crises bancárias e o papel do FGC, do Bamerindus ao Banco Master: o que mudou?

há 1 semana 3
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O Fundo Garantidor de Créditos (FGC) nasceu em 1995, em meio à instabilidade que marcou a transição para o Plano Real. A criação do mecanismo, financiado pelos próprios bancos, tinha um propósito claro: impedir que a quebra de uma instituição – como aconteceu com o banco Master – resultasse em perdas totais para pequenos poupadores e desencadeasse corridas bancárias capazes de amplificar crises.

O FGC foi criado para dar segurança ao sistema financeiro brasileiro, diz Fabio Ongaro, economista e CEO da Energy Group. “Naquela época, a instabilidade era grande e havia o risco de que a quebra de um banco levasse à perda total para pequenos depositantes. O FGC nasceu para evitar esse tipo de situação, garantindo valores básicos de contas correntes, poupança e CDBs até um limite definido por CPF e instituição, que hoje é de R$ 250 mil”.

Desde então, o fundo se tornou protagonista em momentos críticos, sendo acionado para preservar a confiança do público e evitar efeitos em cadeia. Ao longo dos últimos 30 anos, ele esteve envolvido em 40 episódios de intervenção, liquidação ou pagamento de garantia, segundo dados da própria entidade.

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Os principais casos: de Bamerindus ao BVA

O primeiro grande teste do FGC ocorreu em 1997, com a quebra do Bamerindus, um dos maiores bancos do país. O resgate, considerado histórico, consumiu mais de R$ 3,74 bilhões e evidenciou a necessidade de uma rede permanente de proteção aos depositantes.

Nos anos seguintes, outros episódios marcaram a atuação do fundo:

Banco Santos (2004) – Envolvido em fraudes contábeis, o banco entrou em colapso. O rombo apurado nas investigações alcançou R$ 2,2 bilhões em passivos descobertos. O FGC garantiu os clientes afetados.

PanAmericano (2010) – O rombo contábil foi confirmado em R$ 4,3 bilhões; parte dos ajustes e cobertura envolveram operações do próprio FGC (e arranjos com Caixa/BTG) para preservar clientes e evitar contágio sistêmico. 

Cruzeiro do Sul e BVA (2012) – Ambos os bancos foram liquidados após inconsistências e operações irregulares. “Esses casos exigiram desembolsos bilionários e mostraram que o mecanismo tinha capacidade real de atender aos investidores”, lembra Ongaro.

No caso Cruzeiro do Sul, inspeções do Banco Central apontaram um rombo de aproximadamente R$ 1,3 bilhão. O banco tinha patrimônio líquido negativo na ocasião e a liquidação consumiu recursos e ações administrativas ao longo dos anos seguintes. 

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Já no caso do BVA, investigações e balanços apontaram exposições elevadas. O FGC informou desembolsos na ordem de R$ 1,3 bilhão para garantias no processo de liquidação. 

CHB, Portocred e BRK (2021–2023) – Em episódios mais recentes, o fundo voltou a ser acionado para honrar garantias e organizar processos de liquidação ordenada.

No episódio da BRK Financeira os depósitos elegíveis somavam cerca de R$ 1,7 bilhão, e o FGC apontou estimativas de pagamento nessa ordem para os credores. No caso da Portocred Financeira, os depósitos garantidos pelo FGC passavam de R$ 520 milhões. Já no episódio da CHB (Companhia Hipotecária Brasileira), foram mais de R$120 milhões em créditos elegíveis.

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Banco Master

O Banco Central (BC) anunciou nesta terça-feira (18) a liquidação extrajudicial do Banco Master SA e do Master SA Corretora de Câmbio. A EFB Regimes Especiais de Empresas foi nomeada liquidante, com amplos poderes de administração e liquidação. A medida também torna indisponível os bens da controladora Master Holding Financeira, da 133 Investimentos e Participações LTDA, e dos controladores e administradores Daniel Bueno Vorcaro, Armando Miguel Gallo Neto e Felipe Wallace Simonsen.

Em manifestação oficial, o FGC informou que o pagamento a investidores será iniciado assim que receber, da liquidante, informações sobre a base de dados de clientes das instituições liquidadas.

Risco moral e assimetria de informação: a nova preocupação regulatória

Se o FGC surgiu para proteger o público, seu sucesso trouxe efeitos colaterais que agora preocupam autoridades. Um deles é o risco moral: a possibilidade de bancos assumirem riscos excessivos contando com o respaldo do fundo, enquanto investidores, por sua vez, se apoiam no “escudo” da garantia para aplicar em produtos que talvez não compreendam totalmente.

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“O caso do Banco Master expôs uma típica situação de assimetria informacional”, afirma Johnny Mendes, professor de Economia e Finanças da Faculdade ESEG, do Grupo Etapa. “Os investidores não tinham clareza sobre a real qualidade dos ativos, confiando no FGC como rede de proteção. Isso gerou também risco moral, pois a instituição assumiu mais risco sabendo que seus clientes estavam amparados pelo fundo.”

O Master cresceu rapidamente oferecendo CDBs com rendimentos acima do mercado, lastreados em ativos complexos como precatórios. O banco, porém, passou a enfrentar dificuldades de liquidez e governança, agravadas após a tentativa frustrada de fusão com o Banco de Brasília (BRB), negada pelo Banco Central em setembro.

As novas regras: mais capital e menos risco

A resposta regulatória veio no início de agosto. O Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou medidas que entram em vigor em junho de 2026 e buscam limitar apostas arriscadas, reduzir a alavancagem e reforçar o colchão de segurança do FGC.

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Entre as mudanças:

  • Limite de alavancagem: bancos que operarem acima de 10 vezes o patrimônio líquido ajustado terão de aplicar o excedente em títulos públicos federais.
  • Contribuição maior ao FGC: a taxa adicional cobrada das instituições dobrou de 0,01% para 0,02%, com critérios mais rígidos.

“Um banco com R$ 1 bilhão de capital pode operar até R$ 10 bilhões. Se chegar a R$ 12 bilhões, os R$ 2 bilhões excedentes terão de ser aplicados em papéis do Tesouro. A medida reforça a proteção ao FGC e desestimula práticas que aumentam o risco sistêmico”, explica Mendes.

Trinta anos após sua criação, o FGC continua cumprindo o papel de estabilizar crises e proteger pequenos investidores, mas agora opera em um ambiente mais complexo, com produtos sofisticados e bancos que crescem rapidamente por meio de ativos de risco.

A atuação recente do Banco Central e as novas regras do CMN mostram que, embora o FGC seja um pilar de proteção, o foco regulatório se deslocou: a prioridade é garantir que a segurança oferecida ao investidor não incentive comportamentos que possam alimentar a próxima crise.

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