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Na terceira maior bacia hidrográfica do Brasil, no coração da Amazônia, uma enorme usina hidrelétrica se ergue como monumento à mais antiga fonte de energia limpa do mundo — e aos grandes desafios que ela enfrenta.
A seca e o tempo cobraram seu preço da usina hidrelétrica de Tucuruí. De perto, visitantes podem ver vazamentos que formam pequenas e indesejadas cachoeiras.
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Concluída há cerca de 40 anos, a usina de Tucuruí e centenas de outras ao redor do mundo estão sob pressão crescente justamente quando a humanidade precisa de muito mais eletricidade.
Secas e períodos prolongados de estiagem dificultam a geração de energia suficiente. Chuvas excessivas também causam problemas, já que enchentes podem danificar equipamentos.
A produção hidrelétrica no Brasil caiu 3% no ano passado, segundo a Ember Energy Research. E o que o país produz representa menos da metade de sua capacidade.
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Pode parecer pouco, mas gera grande pressão, porque o consumo de energia cresce rapidamente e usinas hidrelétricas historicamente fornecem mais da metade da eletricidade do país.
Canadá, China, Estados Unidos e outros países também enfrentaram baixa produção hidrelétrica nos últimos anos. Como compensar essa lacuna enquanto se busca metas econômicas e de emissões ambiciosas será tema da conferência climática anual da ONU, em Belém — a seis horas de carro de Tucuruí.
Eventos climáticos extremos atingiram o Brasil com força. Em 2014 e início de 2015, o país quase precisou racionar energia porque alguns reservatórios estavam muito baixos.
Secas e desmatamento na Amazônia — que abriga cerca de 60% das florestas tropicais remanescentes do planeta — contribuíram para a queda no nível dos rios.
No ano passado, houve tão pouca chuva que incêndios florestais consumiram na Amazônia uma área do tamanho da Califórnia. Ocorreram ainda enchentes e deslizamentos que, ocasionalmente, forçaram o fechamento de hidrelétricas no sul do Brasil.
“Eu realmente acredito que passamos do ponto”, disse Ivan de Souza Monteiro, CEO da Axia Energia, maior fornecedora de energia do Brasil e proprietária da usina de Tucuruí. “As mudanças climáticas vieram para ficar.”
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A empresa de Monteiro está investindo US$ 270 milhões para modernizar Tucuruí, estender sua vida útil e reverter parte dos danos causados pelo tempo e pelas condições climáticas. O Brasil também está ampliando seu uso de energia eólica e solar.
Frequentemente ofuscada por fontes mais novas de energia, a hidrelétrica continua sendo uma força gigantesca. É a terceira maior fonte de eletricidade do mundo, atrás apenas do carvão e do gás natural.
Mas está se tornando menos confiável. Em 2023, a produção global de energia hidrelétrica caiu o equivalente ao consumo anual de Chile ou Filipinas — a maior queda anual desde 1965. A segunda maior ocorreu em 2021. A Agência Internacional de Energia atribui isso principalmente aos eventos climáticos extremos.
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“O fato de isso estar acontecendo em tantos lugares é alarmante”, disse Robert McCullough, diretor da consultoria McCullough Research, sediada em Portland, Oregon. “A realidade é profunda e muito pouco compreendida.”
Apesar dos desafios e das preocupações ambientais e sociais de longa data, alguns governos e empresas de energia defendem construir mais barragens. A China está trabalhando no maior projeto hidrelétrico do mundo, no Tibete, o que levanta alertas sobre escassez de água na Índia e em Bangladesh.
“À medida que líderes ao redor do mundo tentam atender ao crescimento renovado no consumo de eletricidade, acredito que é hora de dar à energia hidrelétrica a atenção que ela merece”, escreveu Fatih Birol, diretor-executivo da Agência Internacional de Energia, em boletim publicado em outubro.
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Planos para adaptar e buscar alternativas
Tucuruí fica às margens do Rio Tocantins, a quatro horas de carro do aeroporto mais próximo pela Rodovia Transamazônica.
A viagem revela dois retratos distintos da Amazônia: de um lado, colinas cobertas por palmeiras, árvores frutíferas, trepadeiras e flora nativa; do outro, extensões queimadas onde agricultores incendiaram a floresta para abrir pasto.
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Esses incêndios podem crescer rapidamente. Às vezes, fogo e fumaça são visíveis à distância das paredes imponentes da barragem — um lembrete vívido das ameaças à floresta, aos rios e à principal fonte de energia do Brasil.
A Axia Energia — antiga Eletrobras — vê Tucuruí como um de seus ativos mais importantes e essencial para suprir o país, mesmo com a expansão da energia solar e eólica.
Tucuruí é a terceira maior geradora de eletricidade do Brasil e a oitava do mundo. Pode produzir cerca de 20% mais energia que a maior hidrelétrica dos Estados Unidos, a Grand Coulee, em Washington.
A empresa e o governo monitoram atentamente a saúde da floresta e das águas mantidas atrás das quase duas dezenas de comportas da barragem. Equipes patrulham rios de barco para garantir segurança ambiental e proteger a fauna — incluindo golfinhos amazônicos. Até 600 pessoas trabalham diariamente na usina.
Um projeto de modernização de cinco anos está em andamento: troca de transformadores, substituição de cinco das 25 turbinas, atualização de subestações e automação de equipamentos. A meta é tornar a operação mais eficiente e flexível conforme o clima instável dificulta a previsibilidade da produção.
“Essa modernização é única”, disse Allan Almeida de Lima, gerente executivo de operações e manutenção.
A hidrelétrica gerou 48% da eletricidade do Brasil em agosto — seu menor nível em quatro anos. Com a produção se tornando mais irregular, o país depende cada vez mais de energia solar e eólica, que naquele mês forneceram mais de um terço da energia nacional pela primeira vez.
A resistência às barragens
Usinas hidrelétricas são maravilhas de engenharia — não só pelo tamanho, mas pelo desenho. Muitas se erguem sobre rios remotos e ambientalmente sensíveis.
Alguns países estudam construir barragens ainda maiores. A nova megabarragem da China no Rio Yarlung Tsangpo, no Tibete, deve se tornar a maior usina do mundo quando começar a operar em 2030 — afetando Índia e Bangladesh, situados rio abaixo.
Críticos — especialmente grupos ambientais — argumentam há décadas que esses projetos represam rios, ameaçam fauna e flora e aceleram o desmatamento.
“Os impactos ambientais e sociais de grandes barragens estão documentados há décadas”, afirmou Joshua Klemm, diretor da ONG International Rivers. “Existe uma espécie de amnésia coletiva sobre esses danos.”
Comunidades ribeirinhas do Xingu ainda resistem a novas barragens após milhares de pessoas terem sido deslocadas por Belo Monte e Tucuruí.
Ambientalistas defendem restaurar usinas existentes em vez de construir novas.
“Se a barragem já existe e está produzindo energia, use. Mas não construa mais hidrelétricas considerando todo o estrago necessário para abrir novas áreas”, disse Bill Powers, engenheiro e consultor em energia. “O Brasil é o exemplo. Vila após vila desapareceu.”
Em resposta, a Axia afirmou que compensou os deslocados e trabalha para restaurar áreas afetadas.
Em comunicado, a empresa disse que a construção de Tucuruí “ocorreu com a participação das comunidades locais, que foram incluídas em programas destinados a mitigar e compensar impactos”. Acrescentou que agências governamentais monitoraram a conformidade legal.
O futuro da energia hidrelétrica
Eddie Rich, CEO da International Hydropower Association, reconheceu que algumas barragens causaram danos, mas defendeu que a tecnologia é essencial diante da demanda crescente — incluindo os cerca de 600 milhões de pessoas no mundo sem acesso à eletricidade.
Rich disse que novas formas de hidreletricidade podem reduzir impactos — como usinas reversíveis (bombeamento e armazenamento), que funcionam como baterias usando reservatórios em diferentes altitudes.
Segundo ele, o mundo precisa dobrar sua capacidade hidrelétrica até 2050 — ainda que isso possa ser impossível.
“Precisamos mitigar os impactos nas comunidades”, afirmou. “Eu entendo as críticas. Mas é importante que as pessoas saibam que temos aprendido e evoluído ao longo do tempo.”
c.2025 The New York Times Company

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