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A Oi chega ao fim de sua história de 27 anos, desde que foi criada, ainda como Telemar, na privatização do Sistema Telebrás em 1998. A empresa se consolidou como a maior concessionária de telefonia fixa do Brasil após a fusão com a Brasil Telecom em 2008. Durante muitos anos, esteve entre as três maiores empresas de banda larga do Brasil e foi um ator relevante no mercado móvel. Por mais de um quarto de século, a Oi foi uma das maiores contribuidoras do ICMS para dezenas de Estados brasileiros, uma das grandes empregadoras do país e personagem central na discussão de políticas públicas setoriais.
Sua agonia se tornou evidente em junho de 2016, quando iniciou a sua primeira Recuperação Judicial, até aquele momento a maior da história no Brasil, da qual só saiu por um curtíssimo período de alguns meses entre o final de 2023 e começo de 2024, quando começou sua segunda Recuperação Judicial (fato por si só inédito no Brasil). Nesse segundo momento, ficava claro que a empresa não teria salvação: com a venda de seus principais ativos com receita para fazer frente aos compromissos com acionistas, a Oi perdeu qualquer condição de se manter viva. A história da Oi como a conhecemos terminou em 10 de novembro de 2025, com a decretação de sua falência.
Ao longo de toda essa existência, TELETIME acompanhou a história da Oi, relatando os principais episódios públicos relacionados à empresa, e alguns bastidores. Foram centenas de conversas com executivos e executivas que passaram pela Oi, reguladores, analistas de investimentos, fornecedores e estudiosos. Não há uma única causa para a derrocada da empresa, mas é possível fazer uma lista dos elementos recorrentes nas análises de quem esteve dentro da empresa, ou de quem acompanhou de perto:
- Gestão loteada pelos acionistas controladores – quando a Oi surgiu, ainda como Telemar, havia um conjunto de investidores com uma característica comum. Nenhum deles era do setor de telecomunicações e nenhum tinha disposição de fazer investimentos estratégicos e de longo prazo no setor. Foram empresas que se juntaram em um consórcio com múltiplos interesses para tirar proveito do processo de Privatização da Telebrás sem muita clareza de onde iam e sob desconfiança do próprio governo (que nos bastidores batizara o grupo de Telegangue, conforme grampos ilegais vazados na época. Estes empresários preferiram estruturar o negócio priorizando financiamento do BNDES e dos fundos de pensão estatais a fazerem investimentos próprios. Para acomodar diferentes agendas empresariais, diretorias estratégicas da Telemar foram "loteadas" entre diferentes acionistas, com decisões que muitas vezes visavam interesses específicos. Cada acionista tinha seu feudo na Telemar, e todos ganhavam com a empresa. Ao longo de sua história, a Telemar comprou empresas controladas por seus acionistas, algumas totalmente fora de seus objetivos estratégicos. Cada operação dessas (desde o portal de Internet iG, passando pela empresa de serviços corporativos Pegasus, pela empresa de call center Contax e culminando na TNL/PCS, que era a operadora móvel que daria origem à Oi Móvel), trazia um aumento da dívida. Só com a operação móvel, foram R$ 10 bilhões na época.
- Regulação "desregulada" – A queda de braço entre a regulação da Anatel e as operadoras de telecomunicações existe desde que a agência foi criada, em 1997, mas nos primeiros anos da existência da Anatel os critérios e parâmetros de fiscalização eram reconhecidamente descalibrados (tanto que, depois de um tempo, a agência reviu os critérios). Há episódios emblemáticos de processos sancionatórios que geravam multas acumuladas de mais de R$ 1 bilhão por um único processo administrativo. Quando chegou à primeira recuperação judicial, a Oi tinha mais de R$ 20 bilhões em multas administrativas com a Anatel. É um valor tão absurdo que não existe nenhum caso de empresa regulada que tenha chegado nesse patamar de multas devidas com a União. E ressalte-se que a Oi nunca provocou nenhuma trajédia ambiental, nunca causou dano físico a seus consumidores nem provocou a falência sistêmica do setor de telecom. Além disso, a Oi foi especialmente onerada pelas obrigações impostas às concessionárias de telefonia fixa (orelhões, conexão de banda larga gratuita em escolas, lojas físicas, manutenção de serviços emergenciais em todo o Brasil, tarifas reguladas etc) assimetrias criadas por força regulatória no mercado de interconexão móvel e, depois, pelas condicionantes impostas para a fusão com a Brasil Telecom.
- Fusão com a Brasil Telecom – As conversas sobre uma fusão entre as duas maiores concessionárias em área geográfica começaram a aparecer em 2007, mas em 2009, no segundo mandato de Lula, o governo, juntamente com os acionistas privados da Oi e da Brasil Telecom, orquestraram uma fusão entre Oi e Brasil Telecom, sob o pretexto de criar uma grande operadora nacional. Era uma operação que visava atender interesses de acionistas que queriam sair do negócio (notadamente Citibank, Opportunity e Garantia) e, com sorte, formar uma operadora brasileira com porte para competir com Telefônica e América Móvil. No final, foi uma união de duas empresas que, individualmente, já tinham muitos problemas e que só somaram as próprias dores: tanto Telemar quanto Brasil Telecom eram duas concessionárias gigantescas, com imensos passivos e obrigações regulatórias que se sobrepunham. Além disso, a Brasil Telecom deixou inúmeros esqueletos no armário, entre eles processos bilionários referentes a planos de expansão (muitos orquestrados pelo próprio grupo Opportunity, que fora controlador da empresa). No final, a conta da fusão com a Brasil Telecom acabou saindo muito mais cara do que se imaginava.
- O naufrágio da Portugal Telecom – Em 2011, ainda sob a sombra de acordos políticos pouco esclarecidos, uma nova atuação do governo operou para aproximar a Oi da Portugal Telecom. O que era para ser uma grande tele nacional se tornou uma grande tele "lusófona", controlada pelos portugueses. O dinheiro pago pelos portugueses para entrar na Oi acabou indo, em maior parte, para a saída de dois controladores (AG Telecom e La Fonte). A Oi se tornou um grande distribuidor de dividendos para os controladores lusos. Para piorar, dois anos depois, em 2013, a Oi e a Portugal Telecom se fundiram em uma empresa que funcionava com metade do corpo executivo na ponte aérea Rio/Lisboa. Para culminar, um dos acionistas da PT (Banco Espírito Santo) deu um novo calote no valor de 1 bilhão de euros na Portugal Telecom, e a conta sobrou para a Oi, juntamente com mais um punhado de operações problemáticas e deficitárias na África, com imensas disputas societárias. A dívida da empresa disparou.
- Uma década para ajustar o modelo – O modelo de telefonia fixa, base da concessão da Oi, já dava sinais claros de esgotamento em 2014, quando os acessos fixos passaram a ser trocados pelos acessos móveis e pela banda larga em ritmo acelerado. Estava evidente que não seria possível manter o modelo de concessões por mais 10 anos, até 2025. Era preciso simplificar o serviço, rever as obrigações, revisar os marcos legais e obrigações para que a concessão voltasse a ser sustentável e as obrigações voltadas para algo mais relevante, como a banda larga. Em vez disso, foram anos e milhares de pareceres, disputas judiciais e decisões controversas da Anatel e do Tribunal de Contas da União sobre bens reversíveis, continuidade dos serviços mesmo sem demanda e obrigações regulatórias sistematicamente revisadas e ampliadas a cada novo Plano Geral de Metas de Universalização. A essa altura, com R$ 60 bilhões em dívidas, a recuperação judicial se torna inevitável, mas a mudança do marco legal que começou a ser feita em 2015 só foi aprovada pelo Congresso em 2019. Depois disso, a regulamentação da Anatel levou mais dois anos para que, só então, em meados de 2023, Anatel, TCU e Oi começassem a negociar, em um processo que levou mais de um ano para ser concluído. Ou seja, entre a luz amarela do problema da concessão acender e o primeiro projeto de lei ser apresentado (em outubro de 2015, no PL 3.453/2015) até a resolução do problema no TCU, em julho de 2024, foram nove anos. Ao longo desse período, o Brasil passou pela forte recessão de 2015/2016, trocas de governo e muita turbulência política, uma enorme desvalorização cambial e o derretimento completo das finanças da Oi em duas recuperações judiciais em sequência.
- Venda de ativos estratégicos – Ao longo de sua história, a Oi teve inúmeros momentos em que comprou ativos de seus acionistas sem um propósito estratégico claro, ou se desfez de ativos em função dos interesses dos controladores. Mas com a Recuperação Judicial, de 2016, a erosão de ativos estratégicos se intensificou porque, na expressão popular, "a empresa passou a vender o almoço para pagar o jantar". Um elemento chave para essa parte da história remonta ainda a 2013. Pressionada pela pressão de caixa gerada pelos negócios ruins com a Portugal Telecom, a Oi vendeu a sua infraestrutura de cabos submarinos (Globenet) para o fundo BTG. Além de receber um aporte financeiro de cerca de R$ 2 bilhões, o BTG se tornou acionista minoritário (cerca de 10%) da Oi. Seria o início de uma aproximação decisiva para o futuro da empresa. A partir de 2016, já em recuperação judicial, a Oi iniciou o seu processo de reestruturação, e se desfazer de unidades de negócio passou a ser a forma mais rápida de fazer frente aos compromissos com os credores. Em 2021 começa a desmontagem operacional da empresa, com a venda de torres, data centers, da Oi Móvel (em abril de 2022, para as concorrentes Claro, TIM e Vivo) e, por fim, da sua infraestrutura de fibra para o BTG, criando a V.tal. A cada negócio, a empresa perdia receita e os custos operacionais aumentavam pela necessidade de contratar serviços terceirizados ou por longos contratos no modelo take-or-pay. Além disso, a receita esperada pela Oi com a venda de seus ativos acabou sendo frustrada por demora na aprovação das transações, verificação pelos compradores de números superestimados em processos de due diligence e disputas contratuais. O ápice desse processo foi a venda dos clientes da Oi Fibra para a V.tal no início do ano, quando a Oi fechou um negócio que vendeu a sua mais importante fonte de receita, pela absoluta falta de opção de crédito no mercado, mas se receber nenhum valor em dinheiro novo, e sim apenas com ações da V.tal como pagamento.
- Problemas de gestão – Falar em erros de gestão de uma empresa que, como nenhuma outra do setor de telecomunicações, teve mais de uma dúzia de CEOs, é no mínimo obrigatório quando a história da companhia culmina em uma falência. Mas o maior erro das inúmeras gestões da companhia talvez tenha sido permitir, ao longo de mais de quase 3 décadas, que a empresa fosse sistematicamente abusada pelos seus controladores e, na reta final, pelos credores, até o ponto da inviabilidade completa. Muitos foram os CEOs e diretores que saíram por discordar dos rumos estratégicos definidos pelos controladores. Muitos alertaram para os problemas da empresa. Outros foram coniventes com os erros e tomaram decisões imediatistas, sem pensar no futuro ou no longo prazo da companhia.
Mas o fato é que a Oi teve também, até os seus últimos momentos, milhares de funcionários comprometidos e motivados para tentar colocar a empresa nos trilhos, acertar o rumo estratégico e fazer a empresa avançar. E a Oi foi, sem dúvida, parte importante e fundamental da história das telecomunicações no Brasil, ajudando ecossistema a funcionar. Ironicamente, como é em qualquer processo de falência, são esses funcionários, sobretudo os que ficaram até o fim, os que mais sofrem com o fim da empresa e com a incerteza do final do processo.
A Oi entra em um processo de liquidação final com um patrimônio considerável em imóveis (as estimativas eram de cerca de R$ 7 bilhões, ainda que com liquidez bastante incerta pelas condições do mercado imobiliário), uma participação importante na V.tal (estimada em cerca de R$ 10 bilhões, mas que para ser realizada depende agora de interesse de outros acionistas da empresa) e ainda contratos que podem assegurar alguma receita para a companhia durante o processo. São esses ativos que podem ainda permitir que os funcionários sejam menos prejudicados com o final da companhia, e os credores recebam uma parte do que têm de crédito.
Ao longo de todos estes anos, TELETIME trouxe análises, linhas do tempo, opiniões e informação sobre os episódios mais importantes enfrentados pela Oi. Algumas dessas análises podem ser encontradas aqui. Vale reler alguns episódios:

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