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Você cresceu ouvindo isso: para atender as necessidades do seu corpo, é recomendado ingerir diariamente 2 litros de água. Essa é a orientação padrão nos sites de saúde por aí, e nutricionistas associados à Universidade e Califórnia acham até pouco: “recomenda-se que os homens bebam cerca de 3 litros de água por dia e as mulheres, pouco mais de 2 litros por dia”, dizem.
O Guia Alimentar para a População Brasileira, produzido pelo Ministério da Saúde, também argumenta que o valor pode passar de dois litros: “Como qualquer alimento, a quantidade de água que precisamos ingerir por dia é muito variável, e depende de vários fatores. Entre eles, estão a idade e o peso da pessoa, a atividade física que realiza e, ainda, o clima e a temperatura do ambiente onde vive. Para alguns, a ingestão de dois litros de água por dia pode ser suficiente; outros precisarão de três ou quatro litros ou mesmo mais, como no caso dos esportistas”.
Boa parte dessa crença vem de um estudo científico de 1972 chamado “Drawers of water: domestic water use in East Africa”. Ele apontava que, em climas tropicais, 2,6 L de água por dia são perdidos por meio da respiração, da transpiração insensível, da urina e das fezes. Se a pessoa realizasse trabalho intenso e/ou se a temperatura estivesse mais alta do que o comum, essa perda seria ainda maior.
Oras, se a gente perde 2,6 litros por dia no mínimo, então a recomendação de 2 litros parece até modesta, não? Temos é que beber mais?! Calma, não é bem assim.
Em sua edição mais recente, o relatório “Quantidade de água doméstica, nível de serviço e saúde”, da Organização Mundial de Saúde, que sempre citou o estudo de 1972 ao ponderar suas próprias recomendações de consumo, agora aponta que essa perda não é tão extrema. Segundo ele, novos estudos sugerem que “a perda total de água por respiração, urina, fezes e perdas insensíveis varia de 1,3 a 3,4 L/dia para adultos sedentários, aumentando para 1,9 a 8,6 L/dia para adultos fisicamente ativos”.
Vale lembrar que a água eliminada pelo corpo e a água consumida em determinado período (em inglês, essa relação é chamada de “water turnover”) não precisam ser iguais. Isso porque também absorvemos água do ar através da nossa pele e também a partir dos alimentos que ingerimos. A recomendação desse relatório da OMS é a ingestão de 1,6 litro por dia para pessoas com mais de 21 anos.
Um estudo abrangente lançado em 2022 está mudando esse cenário. Ele se chama “Variation in human water turnover associated with environmental and lifestyle factors” e foi publicado na revista Science.
Mais de 90 pesquisadores, de diversos centros de pesquisa, em 23 países analisaram dados de 5.604 homens e mulheres com idades entre 8 e 96 anos. No estudo, é sugerida uma equação para determinar a renovação de água de cada pessoa. Essa equação leva em conta diversas variáveis: idade, sexo, peso, massa magra, altitude, umidade, temperatura do ar, nível de atividade física e índice de desenvolvimento humano (IDH) da região. Ou seja: há muitos fatores que podem mudar muito de uma pessoa para outra e até mesmo de um dia para o outro.
A pesquisa revela que a renovação de água é maior em ambientes quentes e úmidos e em altitudes elevadas, assim como entre atletas, mulheres grávidas e lactantes e indivíduos com altos níveis de atividade física. A maior renovação de água foi observada em homens entre 20 e 35 anos, que é o grupo com o maior gasto energético, cuja renovação de água média foi de 4,2 L/dia.
A partir daí, a renovação de água entre os participantes do estudo diminuiu com o aumento da idade, atingindo em média apenas 2,5 L/dia em homens na faixa dos 90 anos. Entre as mulheres, a renovação média de água entre 20 e 40 anos foi de 3,3 L/dia e também caiu para cerca de 2,5 L/dia aos 90 anos.
Ou seja: há muitos fatores envolvidos na quantidade de água que precisamos consumir e uma única pessoa pode (e vai) ter diferentes necessidades ao longo da vida. O texto crava: “este estudo claramente indica que uma medida não vale para todos no que diz respeito a diretrizes relacionadas ao consumo de água, e que a sugestão comum de que devemos beber cerca de 2 litros por dia não é respaldada por evidência científica”.
Quanto devemos beber então? O estudo tem o cuidado de não estabelecer um número geral — afinal, estaria se contradizendo. Mas a Agência Internacional de Energia Atômica, que abriga uma das cientistas autoras do artigo, afirma que “um número realista diário poderia ser tão baixo como 1,5 litros para homens jovens e 1,3 litros para mulheres jovens, variando com múltiplos fatores”. Já a Universidade de Roehampton, no Reino Unido, que participou do estudo, observa que “um homem típico nos EUA ou na Europa deve beber entre 1,5 e 1,8 litros por dia, enquanto as mulheres devem consumir de 1,3 a 1,4 litros”.
Moral da história? Os dois litros podem até ser um bom parâmetro. Mas mais importante ainda é entender se existem agravantes que podem ampliar a sua necessidade de água. Já se hidratou hoje, leitor?