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Celeste Lucas da Silva trabalhou mais de 60 anos na agricultura
Foto: Arquivo pessoal
“Eu acho que dei sorte, porque esperava, esperava, mas eu sempre tinha fé. Tinha fé em Deus, de que ele ia me aposentar. Pedia e nunca perdi a fé”. Esse é o relato da roraimense Celeste Lucas da Silva, que conseguiu o benefício só depois de completar 101 anos. Por quase quatro décadas, esse direito lhe foi negado, mesmo depois de mais de 60 anos de trabalho duro na ‘roça’.
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A situação é tão absurda que, durante todo esse tempo de espera, a centenária chegou a ver os filhos se aposentarem antes dela. Pela última vez, ela decidiu tentar novamente aos 97 anos e, após mais uma negativa e um longo processo judicial, viu seu sonho virar realidade.
Isso só foi possível com a ajuda da neta e assessora jurídica, Cyanne Stily, e de seu esposo, o advogado Rhichard Magalhães, que sonharam junto da avó. “É como se fosse algo quase inalcançável. Para a gente foi uma responsabilidade grande, porque não queria frustrá-la e nem me frustrar. Era algo que a gente queria dar de presente para ela”, afirma a neta.
História marcada por luta e trabalho
Dona Celeste nasceu em 15 de novembro de 1923, na Fazenda Arraiá, na cidade de Bonfim, em Roraima. Filha de agricultores, ela cresceu em meio às comunidades indígenas, onde aprendeu a falar Wapichana, e teve uma juventude ligada à cultura e ao trabalho no campo.

Celeste Lucas da Silva só conseguiu aposentar aos 101 anos
Foto: Arquivo pessoal
Aos 15 anos, casou-se com Cirino Trajano de Almeida, com quem construiu uma vida dedicada à agricultura e à criação de 12 filhos. Por algum tempo, eles caminhavam quilômetros até chegar à roça para trabalhar, mas depois conseguiram construir uma casa mais próxima das terras que cultivavam. A parceria de uma vida acabou em 1985, quando o companheiro faleceu.
Como o marido já estava aposentado, ela passou a receber a pensão dele. Já com a idade avançada e mais de seis décadas trabalhando como agricultora, ela decidiu deixar o campo e se mudar para a capital Boa Vista.
No limbo previdenciário
Quando completou idade para se aposentar, que na época era 65 anos, a lei restringia o benefício ao que chamavam de ‘arrimo de família’, ou responsável pelo sustento do lar, que geralmente era um papel exercido por homens. Como ela já recebia a pensão de Cirino, tentou, mas não conseguiu.
Por décadas, ela ficou em um limbo previdenciário. Deu entrada com o pedido junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) várias vezes, mas em todas, recebeu a negativa.
“Parecia muito injusto, muito impróprio uma pessoa ter dedicado tantos anos da sua vida ao trabalho rural e não conseguir se aposentar”, afirma Rhichard.
Já próximo ao final de 2020, a família decidiu tentar novamente. Fizeram o requerimento administrativo, que foi indeferido pelo INSS, por entender que ela não tinha comprovado o tempo de atividade. O que restou foi procurar pelo Judiciário.
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A neta, Cyanne Stily, sonhou por esse momento da aposentadoria com a avó
Foto: Arquivo pessoal
O advogado foi munido com as certidões de batismo, casamento e do antigo processo em que ela solicitou a pensão do marido, além das testemunhas que sua equipe conseguiu localizar.
“Um detalhe é que, da época em que as pessoas que tinham mais ou menos a mesma idade que ela, que foram, digamos assim, contemporâneos dela, a maioria já não está viva hoje. Então quem testemunhou, na verdade, foram os filhos dessas pessoas. Da família dela, das irmãs dela, ela é a única que está viva hoje”, explica.
A vitória tão sonhada
Inicialmente, a Justiça reconheceu o tempo de trabalho de 15 anos, mas negou o benefício devido à pensão que ela recebia. Inconformados com mais uma negativa, eles recorreram até que conseguiram que o INSS reconhecesse o tempo de trabalho pelo modelo de trabalho geral, não mais como rural.
A perseverança dela e da família fizeram com que o tão sonhado dia chegasse: em março deste ano, ela passou a receber a aposentadoria. “A lição que eu tenho desse caso é justamente a perseverança. Que a gente aprendeu com ela, com a Dona Celeste. Uma história de vida incrível de perseverança, de luta”, diz o advogado.

Rhichard Magalhães e Cyanne Stily entraram na justiça para conseguir aposentar dona Celeste
Foto: Arquivo pessoal
Em poucos meses, ela até deu uma ‘ajeitada’ na casa, pintou as paredes, e está reformando o banheiro. Além dos suplementos que toma, o benefício serviu para renovar os eletrodomésticos, como geladeira e fogão.
Ao ser questionada sobre o segredo da longevidade, ela conta um segredo: “Tem que trabalhar, fazer os estudos, não estar só dentro de casa, deitado. Eu nunca fiz nada demais, não sei como eu cheguei aqui, mas acreditei nos poderes de Deus”, finaliza.