O dia em que a Sony tentou (e fracassou) derrotar o iPod; entenda o por quê

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Em 2005, quando o iPod já era um dispositivo dominante, a Sony — a mesma empresa que havia inventado o Walkman original e mudado para sempre a forma como consumimos música — lançou sua resposta mais ambiciosa ao domínio da Apple. O Walkman NW-A1200 (e a série A3000) chegou ao mercado com credenciais impressionantes: design futurista com tela OLED, 8GB de armazenamento, bateria de 20 horas e, pela primeira vez na história dos players digitais da Sony, suporte para formatos abertos como MP3 e WMA. No papel, era tudo o que os críticos e público pediam. Na prática, virou um dos maiores fiascos estratégicos da empresa.

Hardware de primeira, software precário

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O dispositivo tinha argumentos sólidos do ponto de vista técnico. Armazenava até 5.300 músicas, oferecia qualidade de áudio superior à concorrência e apresentava acabamento que fazia jus à tradição Sony de excelência em hardware. Na época do lançamento, a crítica elogiava a construção robusta e o som cristalino, reconhecendo que a empresa havia entregue um produto à altura do iPod Nano em termos de especificações puras. Mas havia um problema monumental: o software.

O SonicStage, aplicativo obrigatório para transferir músicas ao dispositivo, entrou para a história como um dos piores softwares já desenvolvidos por uma grande empresa de tecnologia. Usuários relatavam travamentos constantes, interface confusa, lentidão insuportável e erros de instalação que tornavam a experiência frustrante do início ao fim.

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Em fóruns especializados, donos de Walkmans digitais descreviam o SonicStage como “um desastre absoluto” e “pior que amadorismo”.

Connect Music Store: o iTunes que nunca foi

A loja digital Connect Music Store, lançada em maio de 2004 para competir diretamente com o iTunes, seguiu trajetória ainda mais desastrosa. Inicialmente atrelada ao MiniDisc — formato popular na Ásia e Europa, mas irrelevante nos Estados Unidos —, a plataforma nasceu com suporte apenas ao formato proprietário ATRAC e repleta de restrições de DRM que afastavam consumidores.

Sony Connect Store screenshot

Em janeiro de 2006, menos de dois anos após o lançamento, executivos da própria Sony reconheceram internamente que o Connect estava “quebrado”. A empresa chegou a recomendar oficialmente que usuários abandonassem o Connect Player e voltassem ao antigo SonicStage.

Phil Wiser, executivo que liderava o projeto Connect, deixou a Sony em 2006 em meio ao colapso da plataforma, que nunca ultrapassou 3% do mercado de música digital. Analistas foram implacáveis: a Sony simplesmente não tinha expertise em criar software que conectasse dispositivos perfeitamente à internet, ao contrário da integração fluida entre iPod e iTunes que a Apple oferecia. Como definiu um analista da Forrester Research: “Apple é uma empresa de computadores, eles se especializam em digital. Sony é uma empresa de hardware. O problema é que eles não têm software e não entendem de software. Está completamente fora do DNA deles construir produtos para esta era digitalmente conectada”.

O cemitério dos rivais do iPod

A Sony estava longe de ser a única a fracassar na tentativa de desbancar o iPod. O mercado de players portáteis dos anos 2000 virou um verdadeiro cemitério de promessas não cumpridas e “iPod killers” que jamais mataram coisa alguma.

O Microsoft Zune chegou em novembro de 2006 com investimento multimilionário em marketing e especificações competitivas: tela de 3 polegadas, 30GB de armazenamento, rádio FM integrado e conexão Wi-Fi.

Microsoft ZuneMicrosoft Zune

A Microsoft tinha recursos financeiros praticamente ilimitados e experiência em desafiar gigantes, mas cometeu erros fatais desde o início. A escolha do marrom como uma das cores principais virou piada instantânea entre consumidores. Mais grave: chegou tarde demais, enfrentando a quinta geração do iPod quando era apenas sua primeira tentativa. Mesmo após melhorias substanciais — o Zune HD de 2009 recebeu críticas excelentes por sua tela OLED e interface touch — o nome “Zune” já estava queimado no mercado. A Microsoft encerrou a linha em 2011, menos de cinco anos após o lançamento.

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A Creative Labs investiu US$ 100 milhões em marketing para sua linha ZEN, com o fundador Sim Wong Hoo atacando publicamente o iPod. Em 2005, ele zombou do iPod Shuffle: “A indústria inteira vai rir disso, porque até o player chinês mais barato tem display e rádio FM”. Apesar da agressividade e de alguns méritos técnicos, a Creative nunca conseguiu abalar o império da Apple. A empresa acabou recebendo US$ 100 milhões da Apple em um acordo judicial sobre patentes — uma compensação pelo fracasso de mercado.

Outros competidores tiveram destinos semelhantes. O Diamond Rio PMP300, lançado em 1998, foi pioneiro mas tecnicamente limitado.

41wc1h3d1tlDiamond Rio PMP300

O Archos Jukebox oferecia funcionalidades avançadas anos antes da Apple, incluindo reprodução de vídeo em tela cheia, mas seu design, provavelmente uma das coisas mais horríveis já lançadas, jamais faria essa coisa emplacar.

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O legado de uma oportunidade perdida

A história do Walkman digital versus iPod permanece como estudo de caso definitivo sobre como excelência técnica isolada não garante sucesso de mercado. A Sony, inventora do player portátil moderno, perdeu a liderança que havia conquistado décadas antes justamente por não entender que, na era digital, software e serviços importam tanto quanto hardware. Em 2006, o analista Ted Schadler, da Forrest Research, resumiu bem a diferença entre Apple e Sony:

“A Apple é uma empresa de computadores. Eles são especialistas em coisas relacionadas a computadores e ao mundo digital. A Sony é uma empresa de hardware, especializada em hardware. O problema é que eles (Sony) não têm software e não entendem de software. Não está no DNA deles criar produtos para esta era digitalmente conectada”. Phil Wiser (CTO que liderava o projeto) deixou a Sony em junho de 2006 após o fracasso do Connect, que tinha menos de 3% do mercado digital

Hoje, o mercado de players portáteis dedicados sobrevive apenas em nichos ultraespecializados, com marcas como FiiO e HiBy atendendo audiófilos dispostos a pagar uma boa grana por qualidade sonora premium. A Sony continua fabricando Walkmans modernos, mas para uma audiência minúscula. E o iPod saiu de cena em 2019.

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