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O governo federal anunciou nesta sexta-feira (10) uma política de crédito imobiliário voltada para famílias de classe média com renda a partir de R$ 12 mil mensais, que ficam fora do programa Minha Casa, Minha Vida. Na prática, a nova política amplia o acesso ao financiamento para este grupo, mas seus efeitos não são de longo prazo, segundo especialistas ouvidos pelo InfoMoney.
A principal mudança é o aumento do preço máximo do imóvel que pode ser financiado no Sistema Financeiro de Habitação (SFH), que passa de R$ 1,5 milhão para R$ 2,25 milhões. Além disso, a Caixa Econômica Federal voltará a financiar até 80% do valor do imóvel — antes, o limite era de 70%. Isso significa que o comprador precisará desembolsar menos dinheiro de entrada.
“Esse é o grande segredo dessa nova política. Com o aumento do teto e a volta do financiamento de 80%, o cliente precisa colocar menos recurso próprio na hora da compra. É algo muito significativo para quem vai adquirir o imóvel”, explica Anderson Morais, diretor comercial da BRZ Empreendimentos.
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Outra mudança importante é a criação de um teto para os juros, que não poderão ultrapassar 12% ao ano. Hoje, as taxas cobradas pelos principais bancos variam entre 11,3% e 13,5% ao ano + TR, segundo Morais. Ou seja, a limitação tende a dar mais previsibilidade aos consumidores e impedir altas abusivas.
“Como o recurso da poupança é mais barato, acreditamos que as taxas fiquem próximas desse teto, tornando o financiamento mais atrativo”, completa.
De onde vem o dinheiro?
O novo programa muda as regras de uso da poupança, principal fonte de recursos para o crédito imobiliário. Atualmente, 65% dos depósitos precisam ser direcionados a financiamentos habitacionais, enquanto 20% ficam “parados” no Banco Central, como recolhimento compulsório.
A ideia é liberar gradualmente parte desse dinheiro. Inicialmente, o volume dos compulsórios será reduzido para 15%, ou seja, 5% do valor que está recolhido ao BC já será destravado. Segundo a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (ABRAINC), essa liberação prevê a injeção imediata de cerca de R$ 35 bilhões em financiamentos.
Além disso, o BC deve alterar a forma como os recursos da poupança são usados no crédito imobiliário: a cada real emprestado para habitação, o banco poderá liberar o mesmo valor da poupança para uso livre por cinco anos. Depois desse período, precisará renovar o crédito para manter o benefício. A ideia é incentivar os bancos a oferecer mais financiamentos imobiliários com juros menores, compensando o retorno com outras operações mais lucrativas.
Para o especialista em mercado imobiliário Daniel Claudino, o modelo vai dar mais fôlego aos bancos para emprestar. “O novo modelo destrava o sistema: reduz o compulsório e cria um mecanismo de ‘matching’ — o banco que captar recursos no mercado especificamente para financiamento imobiliário ganha o direito de usar mais poupança barata com liberdade. Isso traz mais liquidez e incentiva os bancos a reabrirem o crédito, principalmente para a classe média.”
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Ele compara o mecanismo a um prédio que ganha acesso a mais água. “Antes, uma parte da água ficava guardada à força no reservatório (compulsório). Agora, o síndico permite usar mais água livre, desde que o prédio traga água extra de fora (captação de mercado). No fim, mais torneiras abertas sem desperdício”, explica.
O que muda para quem quer financiar?
Em termos práticos, o comprador de classe média que não se enquadrava no Minha Casa, Minha Vida poderá financiar imóveis de valor mais alto, com parcelas um pouco menores – já que precisará de menos entrada e contará com juros limitados.
Antes da medida:
• Financiamentos de até R$ 1,5 milhão no SFH;
• Entrada mínima de 30% (com a Caixa financiando até 70%);
• Juros entre 11% e 13,5% ao ano + TR;
• Menor oferta de crédito, devido ao alto volume de poupança retido no Banco Central.
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Agora:
• Financiamentos de até R$ 2,25 milhões;
• Entrada mínima de 20% (Caixa volta a financiar 80%);
• Teto de 12% ao ano para os juros;
• Liberação gradual de recursos da poupança, o que deve facilitar a concessão de crédito.
Quando os efeitos serão sentidos?
A nova política ainda precisa de regulamentação do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do Banco Central. Segundo o governo, o modelo deve estar totalmente em vigor até 2027, mas parte dos efeitos, como a liberação de compulsórios, pode começar antes.
Para Claudino, o impacto será gradual. “Não é uma queda automática de juros, porque a Selic ainda pesa. Mas é um destravamento operacional que dá previsibilidade ao mercado. Se o ciclo de juros aliviar, o efeito tende a multiplicar.
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“A poupança está deixando de existir”
Mesmo com as melhorias, a medida não resolve todos os desafios do setor, como a realidade do esgotamento da poupança e a Selic em 15%.
“A poupança está deixando de existir. Esse é o fenômeno. E qual é o papel do governo? Atender esse fenômeno econômico”, disse o Ministro Jader Filho à imprensa ontem durante um evento de incorporadoras, em São Paulo.
A poupança registrou saques na ordem de R$ 15 bilhões em setembro, o maior patamar para este mês já resgistrado. De janeiro a setembro deste ano, a saída líquida da poupança ficou em R$ 78,5 bilhões, valor sete vezes superior ao registrado no mesmo período do ano passado (R$ 11,2 bilhões). Hoje a carneta tem R$ 1 trilhão.
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No mesmo evento, o empresário Rubens Menin, presidente da MRV, a maior construtora do país, avaliou a nova política habitacional do governo positivamente, mas chamou a atenção para discussões sobre o funding da incorporação brasileira no longo prazo – já contando com o esgotamento dos recursos da poupança. “Acho que temos que discutir o funding do setor e começar em alguns modelos de médio prazo, que possa dar tranquilidade para as empresas investirem”.
Além disso, Menin enfatizou a importância da redução das taxas de juros no país. “O mercado está mais instável e isso tem uma razão: os juros. É muito difícil conviver com uma taxa de juros muito elevada por muito tempo. Os juros estão altos há alguns anos e corremos os risco de ter mais um ou dois anos de juros altos. Eles deterioram o mercado de funding, porque [alocar em] FII, CRI, LCI fica mais difícil, porque criam mais competição frente aos nossos produtos. Então o funding está drenado e mais caro”, afirmou.