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Hilmara costuma acompanhar pessoas surdas em atendimentos médicos, mas foi a primeira vez que atuou como intérprete de Libras em um trabalho de parto
Foto: Arquivo pessoal/Hilmara Gomes
Era uma sexta-feira, por volta de 18 horas, quando Amanda Vitória avisou a amiga Hilmara Miranda: 'Minha bolsa estourou, estou indo para o hospital'. Hilmara, então, correu para a unidade médica. Isso porque sua presença ia além de um apoio fraternal: ela é intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras), e Amanda é uma mulher surda. Foram mais de 15 horas de trabalho de parto, com a amiga estabelecendo a comunicação entre a equipe médica e a gestante.
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“Ela precisava de segurança e de acessibilidade naquele momento”, contou a intérprete de Libras. O parto aconteceu em agosto, na cidade de Cataguases, em Minas Gerais. Foi o primeiro filho de Amanda, que tem 26 anos. Ela queria que seu filho nascesse de parto normal e seguiu firme até onde conseguiu. E a presença da intérprete foi fundamental nesse processo.
“Quando Amanda me disse que não tinha mais forças, comuniquei à médica, que explicou sobre a cesariana. Ela aceitou com tranquilidade, porque entendeu a situação e sentiu-se respeitada”, relembrou Hilmara ao Terra.
O esposo da gestante estava presente durante todo o parto, e a equipe médica do hospital atuou de forma sensível fazendo Amanda se sentir pertencente, acolhida e respeitada, como conta a intérprete.
Nathan nasceu saudável, acolhido nos braços da mãe, emocionada e feliz. A experiência também foi inesquecível para a intérprete. Foi sua primeira atuação em um trabalho de parto, e foi preciso vencer medos ao acompanhar todo o processo ---passando pelo corte da cesária, a retirada do bebê, o fechamento das camadas… Mas tudo valeu a pena.
“No momento em que o bebê foi retirado e entregue aos pais foi incrível, a emoção tomou conta e os olhos chegaram a embaçar! Sinalizei pra ela [Amanda] o que a equipe estava falando do bebê. Foi realmente inesquecível e acolhedor”, disse.
No Brasil, segundo o IBGE, há cerca de 2,3 milhões de pessoas surdas. E, de acordo com a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), toda pessoa com deficiência tem o direito assegurado à acessibilidade comunicacional em serviços de saúde, sejam públicos ou privados.
‘Missão de vida’
Hilmara começou a estudar Libras em 2017, quando já era formada em Pedagogia e queria expandir seus conhecimentos. Ela fez um curso básico, depois passou por mais formações tanto no online quanto no presencial, até que decidiu cursar Letras Libras e se formou em 2023.
Ela começou atuando como intérprete em sua igreja, de forma voluntária, nos cultos de domingo. Assim, aos poucos, foi se aproximando da comunidade surda e ganhando prática na comunicação. Até que, no ano que se formou na graduação voltada à Língua, começou a acompanhar pessoas surdas em consultas médicas.
Sejam em consultas particulares ou por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), o que pessoas surdas relatam para Hilmara é que, quando vão sozinhas em atendimentos médicos, não costumam ter recursos de acessibilidade nos locais e precisam tentar fazer leitura labial para entender o que falam. “O que é muito difícil porque geralmente o médico fala com a cabeça baixa ou fala escrevendo, quando são consultas mais rápidas”, conta.
E quando acontece de a pessoa surda levar algum familiar, o médico conversa diretamente com essa outra pessoa, e não com o paciente em si. E, se a pessoa da família não sabe Libras, ela não passa a informação para o surdo. Nisso, a pessoa acaba sendo medicada, por exemplo, sem que realmente tenha sido ouvida."
á quando Hilmara acompanha pacientes, eles ficam muito satisfeitos por conseguirem falar tudo o que estão sentindo devido à ponte feita pela intérprete. Isso é importante para que a pessoa saiba mais sobre a própria vida, pontua.
“Hoje atuo em diferentes espaços: teatros, eventos, palestras e também acessibilidade em museus. É muito gratificante perceber que aquele passo inicial, lá em 2017, se transformou em uma missão de vida: quebrar barreiras de comunicação e garantir acessibilidade”, acredita Hilmara.