FLACC 2025 recebe a escritora Lucia Tucuju para diálogo sobre oralidade, cultura e literatura indígena

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Foto: Diego Barbosa

O Festival Literário e Artístico de Canaã dos Carajás (FLACC) recebeu, nesta sexta-feira (21), a escritora indígena Lucia Tucuju, que compartilhou conhecimentos sobre dialogos e reflexões sobre literatura, oralidade e a presença da cultura indígena no contexto escolar, além de promover contação de histórias voltada ao público infantil.

Foto: Diego Barbosa

Lucia é escritora, atriz, roteirista, narradora de histórias e professora indígena do povo Galibi Marworno, do Amapá. Integrante da Academia Internacional de Letras do Brasil e do coletivo Mulherio das Letras Indígenas, ela também é professora de Literaturas Indígenas em cursos de pós-graduação. 

Em entrevista exclusiva concedida à Assessoria de Comunicação da Prefeitura de Canaã dos Carajás, Lucia destacou que sua relação com a arte e de como nasceu a iniciativa de honrar a sua ancestralidade e de preservar as memórias do seu povo. 

Confira a entrevista na íntegra:

Jornalista: Você costuma dizer que sua escrita nasce da oralidade. Em que momento da sua vida você percebeu que a palavra (fala ou escrita) seria seu instrumento de resistência?
Lucia: “Foi no momento que eu me encontrei numa dificuldade quando eu me tava para me formar como professora que eu não tinha o domínio de turma, né? Então naquele momento eu senti que eu tinha que voltar nas minhas raízes. Foi naquele momento da de dificuldade que eu pensei: “Aí que eu vou investir na nessa questão da minha história e vou escrever, vou contar as histórias do meu povo, de onde eu vim”.

Jornalista: Qual sua maior inspiração para desenvolver essas histórias?
Lucia: Minha maior inspiração sempre foi, é a vovó. Minha avó é a base de tudo, tudo que eu escrevo é inspirado nela. 

Jornalista: Quando você trabalha com crianças, o que mais te toca como elas recebem as narrativas da própria cultura?

Lucia: O que me toca é o próprio encantamento, né? Quando vejo que elas vibram, né? Quando eu conto as histórias, quando eu uso os adereços, quando eu pego, levanto o maracá e o e os olhinhos delas brilham, é, no quando a gente entoar um canto, quando a gente faz uma dança do toré. É, me encanta muito mesmo realmente é as crianças. É a forma como elas interagem, a curiosidade delas também. A inocência. É, a inocência, tudo isso. A forma como elas recebem, que são muito receptivas e mais, como é que eu posso dizer? Mais claras também, com essa pureza muito me faz seguir ver que nem tudo também está perdido.


Jornalista: Em eventos literários e mesas de discussão, como o FLACC, você se tornou uma voz sobre identidade e território. Como você prepara os assuntos para essas programações?

Lucia: Olha, na verdade, eu leio, eu penso no que eu vou fazer nas experiências, na bagagem que eu já trago de outras experiências de outros eventos que eu participo muito. Mas, na verdade, quando eu me deparo ali com o público, às vezes o que eu pensei em falar, o que eu pensei em dizer, dinâmica que eu pretendia fazer, muda. Tudo depende de acordo com o público. Tipo aqui, é, foi um, eu pensei em fazer agora uma proposta e as coisas foram para um outro rumo. Às vezes o plano vai mudando. Às vezes o que é planejado não dá certo. Às vezes vai muito também do da criatividade e eu trabalho assim muito com lúdicos. Sim. Com aquela minha coisa também da intuição, do que eu trago de ancestral também.

Jornalista: Você costuma transitar entre literatura, contação de histórias, educação e teatro. O que é que cada uma dessas linguagens te permite dizer que a outra não alcança?

Lucia: Uma foi puxando a outra. Na verdade, eu vim de uma tradição oral, onde eu vi histórias que vovó contava na beira do rio, enquanto descascava mandioca, quando a gente ia dormido dentro do mosquiteiro. Então o mais forte, mesmo assim, o que é mais latente em mim são as narrativas, são as histórias de tradição oral. Mas eu sempre Eu já fazia teatro sem nunca ter visto em teatro na minha vida. Ali eu botava um lençol no quintal, na beira da casa, na ponta na de uma árvore ali. Eu era o Iara, eu era Matinta. Nunca tinha visto em teatro na minha vida. Quando eu fui pro Rio, que eu comecei a fazer teatro, uma coisa foi puxando a outra. Mas se eu for falar assim, o que mais me move mesmo assim, que é minha paixão, que é que é uma coisa assim, que é do coração, que entra pelas minhas entranhas, é a literatura. Porque ali, através da literatura, pode-se experimentar um pouco de tudo, a oralidade que eu trouxe, transformei a minhas as minhas histórias, história que eu trago da minha da minha infância. Eu transformei para os livros, dali eu levo para o teatro, porque eu já levei a contação de história para o teatro que chegou nos grandes teatros. Já fui para a Europa contando história através do meu canto, dos adereços de dança, essas coisas. 

Jornalista: As narrativas indígenas muitas vezes são lidas sob a lente da exógena. Você sente que hoje há mais abertura para uma visão de quem realmente representa esses povos?

Lucia: Ainda não está totalmente aberto, ainda está essa coisa muito é um processo, nós estamos caminhando a passos de formiguinha. Já está mais avançado do que da época quando eu comecei, que eu comecei para as escolas mesmo, os eventos, fui como contadora de história, ainda nem era escritora, ainda nem era atriz, mas como sempre eu gostei de tudo isso, eu procurei agregar e a oportunidades foram surgindo e eu fui cada vez foi um leque que foi se abrindo e eu pude e colocando um pouco de tudo, mas assim existe essa coisa ainda mesmo da contação, de separar tudo onde eu não separo. Eu procuro cada vez mais juntar ela e saber que uma tem um pouquinho da outra e tá tendo um avanço, sim, ainda tem muitos lugares, muitas instituições que ainda estão tão atrasadas, mas nós estamos em busca disso, estamos caminhando para que possa ir avançando, mas ainda tem sim. Mas a gente vai caminhando para que possa ter um avanço nisso tudo.

Jornalista: Como que foi a escolha dos temas que você trouxe aqui para o FLACC? 

Lucia: É, eu fui pensando, visto que era um lugar que tem muito, da minha cultura também, as palavras, as coisas. Eu fiquei muito feliz em primeiro lugar de vir para cá, fiquei muito emocionada ontem quando cheguei aqui, eu chorei porque eu participo de muitos eventos de feiras em vários lugares do Brasil e tem estrutura aqui também, tem muita estrutura, mas o que a gente não tem é público. E cedo da manhã hoje, quando eu cheguei aqui lotado, isso se me emocionou, me encantou. Então, quando eu pensei no que trazer, eu procurei trazer de mim mesmo. Pensa sempre em ser natural, em ser verdadeira, em mostrar acima de tudo verdade. Então, assim, quando eu penso numa proposta seja qualquer que seja o lugar, eu penso na questão de trazer o que é meu, a minha raiz. Então, quando eu penso mesmo em trazer um uma fala, é uma fala que possa trazer provocações que possam levar a refletir tanto sobre o seu processo de profissional, no trabalho, na proposta que vai levar para os alunos, quanto a ele próprio. A minha proposta para cá foi mesmo com esse intuito de causar reflexão, provocação, e acima de tudo entretenimento e lazer, não é uma coisa cansativa, tanto é que o público permaneceu lá, ninguém saiu, porque quando o público também não gosta, sai, então significa que estavam gostando.

Jornalista: Se você pudesse deixar uma mensagem, uma reflexão para todos que estão passando por aqui pelo FLACC, também estamos nesse momento importante na COP30, na nossa capital, em Belém. Qual a mensagem que você deixaria para as pessoas hoje?

Lucia: Então, a minha mensagem mesmo é que valorizem o que é seu de verdade, se apropriem, em vez de valorizar a cultura do outro, procure acima de tudo valorizar o que o que é nosso, que busque beber da sua própria fonte, procure ler o que é nosso, nossos escritores, não que a gente não possa ampliar, com certeza, mas acima de tudo, porque tá se perdendo as nossas memórias, as nossas raízes e passar para as crianças desde pequena e acima de tudo, vamos ler, vamos focar nisso, pesquisar e ver que usar a internet em prol de adquirir conhecimento, a internet tá aí, a inteligência artificial tá aí para nos ajudar não para que a gente se perca no abismo.

Entrevista: Beatriz Smith e Carol de Paula
Texto: Beatriz Smith

Fotos: Diego Barbosa e Paulo Otoni

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