Dívida pública e arcabouço fiscal: Marcos Mendes alerta para “conta que não fecha”

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O pesquisador associado do Insper, Marcos Mendes, avalia que o atual arcabouço fiscal brasileiro corre sério risco de se tornar inviável nos próximos anos, caso não sejam feitas reformas estruturais. Para ele, as despesas obrigatórias já caminham para ultrapassar o limite previsto em lei, o que deve tornar a regra “praticamente inócua”.

Mendes lembra que o Brasil tem um histórico de crescimento acelerado de gastos públicos, especialmente desde a redemocratização. “A despesa primária no começo dos anos 90 era de 11% do PIB, hoje está chegando a 19%”, afirma. Segundo ele, essa pressão estrutural resulta em déficits recorrentes e dificulta a sustentabilidade da dívida pública.

A trajetória recente da dívida também revela uma particularidade brasileira. Enquanto países como os Estados Unidos convivem com dificuldades crescentes de coordenação política para equilibrar suas contas, o Brasil absorveu parte do endividamento por meio da inflação. “A inflação de 2021 e 2022 comeu parte dessa dívida”, diz Mendes, destacando que a redução se deu às custas da rentabilidade real dos títulos públicos.

O alerta foi feito durante participação no podcast Outliers, produzido pelo InfoMoney e apresentado por Clara Sodré e Fabiano Cintra.

O dilema do teto e do novo arcabouço

Mentor da proposta do teto de gastos, criada em 2016, Mendes explica que o mecanismo buscava impor disciplina ao crescimento da despesa e forçar reformas estruturais. “De certa forma, a gente deu anestesia no paciente, mas não fez a operação”, resume, lembrando que, mesmo após sua implementação, houve forte resistência a mudanças como a reforma da Previdência.

Segundo ele, o novo arcabouço aprovado em 2023 ampliou os espaços para expansão de gastos, mas com contradições internas que comprometem sua eficácia.

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“No dia seguinte da publicação do arcabouço, publiquei um artigo dizendo que não vai dar certo, a conta não fecha. A realidade é que hoje, embora você tenha um limite de 2,5% de crescimento real da despesa, ela está crescendo a 4% ao ano.”

Entre os fatores que agravam a situação, Mendes cita a volta da política de valorização real do salário mínimo e a retomada da indexação de despesas obrigatórias de saúde e educação à receita, o que, na prática, amplia automaticamente os gastos à medida que a arrecadação cresce.

Para o pesquisador, a regra já nasceu fragilizada e tende a se tornar insustentável nos próximos anos, sobretudo a partir de 2027.

Reformas de longo prazo

Questionado sobre a agenda necessária para reequilibrar as contas públicas, Mendes defende medidas de impacto gradual, mas duradouro.

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“É essencial voltar a corrigir o salário mínimo só pela inflação ou desindexar os benefícios previdenciários do salário mínimo. No primeiro ano isso dá R$ 15 bilhões, 0,1% do PIB. Mas em 10 anos gera mais de 1% do PIB de economia”, exemplifica.

Ele também critica distorções em programas como o do Microempreendedor Individual (MEI), no qual a contribuição mensal é de R$ 70, mas garante acesso a quase todos os benefícios da Previdência.

Mendes reforça que a sustentabilidade fiscal não virá de soluções fáceis ou imediatas, mas de uma disciplina política contínua. “É uma agenda dura, que só vai gerar resultados ao longo do tempo”, afirma.

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Na conversa, o pesquisador também traçou paralelos com o cenário internacional. Ele destacou que, nos Estados Unidos, a polarização política compromete a capacidade de construção de consensos, o que aumenta a pressão sobre a dívida.

“Um governo republicano corta impostos, depois o democrata aumenta gastos sem recompor a arrecadação, e o país fica nesse ciclo negativo”

Para Mendes, tanto no Brasil quanto nos EUA, a combinação de déficits recorrentes com falta de reformas estruturais aponta para um futuro de maior fragilidade fiscal.

“O problema não é só o número da dívida, mas a incapacidade de gerar credibilidade para que ela seja sustentável”, conclui.

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