COP30: Palco ou decisão? Por que o excesso de agendas paralelas trava as negociações climáticas

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Plenária Geral dos Líderes Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas COP 30. Imagem: Antonio Scorza/COP30

A primeira semana da COP 30, em Belém, evidenciou um diagnóstico que já se consolidava: a governança climática internacional opera hoje no limite de seu modelo institucional.

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Criado no início dos anos 1990, o arranjo procedimental da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC) tem sido pressionado por um volume crescente de temas, pela fragmentação entre blocos e pela transformação da própria Conferência em um evento de grande visibilidade pública.

Agenda excessiva e falta de regras de procedimento

O primeiro elemento desse esgotamento é a inflação da agenda. As COPs atuais carregam entre 70 e 100 itens simultâneos, muitos deles sobrepostos ou sem a maturidade técnica necessária para negociação.

A ausência de critérios formais para introdução de novos tópicos — diferentemente da Convenção da Biodiversidade, que adota parâmetros específicos para “new and emerging issues” — contribui para uma expansão constante do escopo, colocando pressão sobre delegações e sobre a capacidade de coordenação da Presidência.

A isso soma-se uma limitação estrutural presente desde a origem da Convenção: as regras de procedimento da UNFCCC nunca foram formalmente adotadas.

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Desde a primeira COP, em 1995, elas são aplicadas apenas de forma provisória porque as Partes não chegaram a acordo sobre a Regra 42, que trataria de modalidades de votação caso o consenso não fosse possível. A falta de concordância sobre esse ponto acabou suspendendo a adoção do conjunto completo.

Com isso, a COP opera exclusivamente pelo princípio do consenso absoluto, sem qualquer mecanismo alternativo de decisão. Esse arranjo, que funcionava em um contexto internacional mais estável, tornou-se frágil em um ambiente marcado por maior fragmentação política.

O consenso absoluto aumenta o custo de transação entre blocos, incentiva travas procedimentais e reduz a previsibilidade das negociações. Também limita a capacidade da Presidência e do Secretariado de organizar a agenda e resolver conflitos de forma mais ágil.

O resultado é um processo mais sujeito a impasses e fortemente dependente da habilidade política da Presidência da COP. Em um regime com agendas extensas e temas de alta complexidade — como adaptação, financiamento e Artigo 6 do Acordo de Paris (que trata da cooperação voluntária entre países para atingir metas de redução de emissões através de mercados de carbono), a inexistência de regras plenamente operacionais reduz a eficiência e contribui para o acúmulo recorrente de decisões inconclusas entre uma COP e outra.

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COP como palco

Outro fator que influencia a eficácia das COPs é o crescente número de side events, pavilhões temáticos e agendas paralelas. Embora relevantes para ampliar a participação social e dar visibilidade a atores não estatais, o volume atual fragmenta a atenção das delegações e desloca o foco das negociações formais.

O que se observa em Belém é que a COP passa a cumprir também uma função de palco e vitrine, com forte presença midiática e institucional, enquanto seu núcleo decisório opera com tempo reduzido e alta dispersão.

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Essa dualidade afeta o desempenho negociador e, em certos casos, pode criar ambiente de maior tensão política. A multiplicação de pronunciamentos públicos, pressões setoriais e agendas paralelas tende a endurecer posições, reduzir a flexibilidade dos delegados e dificultar a construção de convergências na sala de negociação.

Em um processo que depende de tempo, continuidade e discrição para avançar, a sobrecarga de atividades externas pode acentuar sensibilidade política e contribuir para a manutenção de impasses.

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Lições de outras plataformas de negociação

Comparações com outras convenções ajudam a contextualizar esse cenário. A Convenção da Biodiversidade (CDB), por exemplo, não apenas dispõe de regras de procedimento consolidadas como também adota critérios formais para a introdução de novos temas – os new and emerging issues (NEI), o que evita a expansão descontrolada da agenda.

Além disso, quando enfrentou impasses semelhantes aos do clima, a CDB recorreu a grupos de trabalho intersessionais encarregados de amadurecer tecnicamente os textos, identificar convergências e reduzir a quantidade de opções bracketadas antes da COP. Esse método permitiu que o processo de negociação do Marco Global da Biodiversidade chegasse à fase ministerial com maior coesão textual.

O Protocolo de Montreal opera com uma arquitetura ainda mais enxuta. Suas agendas são curtas, os ciclos de revisão são predefinidos e as decisões são tomadas com base em avaliações técnicas sistemáticas conduzidas por painéis permanentes.

A combinação entre estabilidade procedimental, metas escalonadas e mecanismos claros de implementação contribuiu para sua reputação como o acordo ambiental mais eficaz já firmado, com forte capacidade de adaptação e atualização sem sobrecarregar suas conferências das Partes.

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A Organização Mundial do Comércio (OMC) oferece outro exemplo de funcionamento eficiente: a maior parte das questões técnicas é discutida ao longo do ano por meio de comitês especializados permanentes (por exemplo, Comitê de Agricultura; Comitê de Comércio e Meio Ambiente), que harmonizam posições, consolidam informações e pré-negociam pontos sensíveis.

As conferências ministeriais são convocadas apenas para decisões políticas finais, quando o conteúdo técnico já está maduro e amplamente compreendido. Esse desenho reduz sobrecarga, evita improvisação e melhora a previsibilidade do processo decisório.

Tomados em conjunto, esses modelos demonstram que uma arquitetura procedimental mais enxuta, distribuída ao longo do ano e dotada de mecanismos claros de preparação técnica tende a produzir resultados mais consistentes. Em todos os casos, a densidade técnica é tratada fora da conferência principal, reservando o espaço político para decisões finais, e não para a construção de rascunhos. Essa experiência comparada indica caminhos possíveis para modernizar e racionalizar o funcionamento da UNFCCC.

Essas experiências indicam caminhos para modernizar a governança climática. Reduzir e racionalizar a agenda, estabelecer critérios formais para novos temas, distribuir trabalho técnico para grupos permanentes entre as COPs e discutir formas de flexibilização do consenso — ainda que apenas em decisões procedimentais — são alternativas que preservam o espírito do Acordo de Paris e fortalecem sua capacidade de implementação.

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A discussão sobre periodicidade também reaparece: uma COP bienal, com trabalho técnico contínuo no intervalo, poderia conferir maior tempo de preparação e reduzir a sobrecarga decisória que hoje recai sobre um único evento anual.

A COP 30 torna evidente que a eficácia do processo dependerá, cada vez mais, de ajustes institucionais discretos, mas estruturantes. A governança climática não enfrenta apenas divergências entre países; enfrenta os limites operacionais de um formato que já não acompanha a complexidade da agenda atual.

Tornar a COP mais sóbria, mais focada e mais tecnicamente sustentada é um passo necessário para que ela cumpra seu papel de orientar a implementação global do Acordo de Paris.

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