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Resumo
A emocionante amizade entre o pescador João e o pinguim Dindim despertou atenção global, inspirando um filme que uniu lições de preservação ambiental à narrativa de conexão entre humanos e a natureza.

O diretor David Schurmann ao lado do pescador João, que inspirou o filme com a emocionante história real de amizade com o pinguim Dindim
Foto: Laura Campanella
Durante sete anos, um pinguim chamado Dindim nadou anualmente milhares de quilômetros em uma jornada extraordinária: reencontrar João Pereira, o pescador que salvou sua vida no litoral do Rio de Janeiro. Essa história real de lealdade e gratidão, que viralizou no Brasil, ganhou as telas do cinema no filme Meu Amigo Pinguim, lançado no ano passado e protagonizado pelo ator francês Jean Reno, e emocionou o mundo, carregando consigo uma mensagem urgente de preservação dos oceanos.
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O sucesso internacional do filme superou as expectativas. David Schurmann, diretor e produtor da obra, atribui o alcance universal ao poder de uma boa história. "O cinema tem esse poder: quando a história é boa, ela se conecta com sentimentos universais e viaja o mundo", disse em entrevista exclusiva ao Terra.
Os cerca de oito mil quilômetros de litoral brasileiro foram o palco do encontro improvável em 2011, quando o acaso colocou o pinguim à beira da morte aos pés de Seu João, como o pescador é conhecido em Ilha Grande (RJ).
Ao avistar o animal exausto e coberto de óleo, o pescador logo tomou o gesto de limpar a gosma que impedia o pinguim de se mover; depois, alimentou-o com sardinhas até que ele se reerguesse. Chegada a hora de devolvê-lo ao mar, João viu a ave desengonçada em terra transformar-se num 'foguete' ao mergulhar nas águas.
Contra todo ceticismo, o pinguim batizado como Dindim não apenas sobreviveu, como também retornou à casa de seu salvador quatro meses depois, iniciando um ciclo anual que se repetiria por sete anos. Todas as primaveras, Dindim viajava cerca de três mil quilômetros até a Patagônia para se reproduzir e depois voltava ao Brasil para reencontrar o amigo humano.

Registro feito de João e Dindim quando animal estava em Ilha Grande
Foto: Reprodução/Fantástico
A história de cumplicidade que comoveu o Brasil ao viralizar na internet precisou, no entanto, de uma volta ao mundo para ganhar as telas do cinema como Meu Amigo Pinguim e se transformar numa ferramenta global de conscientização ambiental. Ao Terra, o David Schurmann, também fundador da ONG Voz dos Oceanos, detalha como essa narrativa de empatia transcendeu o entretenimento para carregar um alerta importante.
Da Ilha Grande a Hollywood: a jornada improvável do filme
"Todo mundo conhecia essa história no Brasil, mas, por incrível que pareça, nenhum produtor de cinema tinha comprado os direitos para contá-la", relatou Schurmann, que é roteirista e produtor. Membro da família Schurmann, pioneira em expedições marítimas ao redor do mundo, ele busca, por meio de suas viagens e com apoio do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), documentar a poluição marinha e promover soluções para a preservação dos oceanos.
O interesse internacional chegou a ele de forma inesperada, impulsionado por um trabalho anterior de Schurmann: Pequeno Segredo. Após uma campanha do filme nos Estados Unidos, um produtor estrangeiro que havia admirado seu trabalho o contatou com uma proposta. "Eles falaram assim: 'Olha, nós compramos o direito de uma história brasileira'. Aí eu falei: 'Como assim? Vocês foram até o Brasil comprar o direito da história?'", contou Schurmann.
A produtora havia descoberto a história na BBC e então enviou um advogado ao Brasil para localizar Seu João. Essa seria a primeira vez que ele seria remunerado pela sua história de amizade com Dindim.

Bastidores do filme "Meu Amigo Pinguim" no Brasil
Foto: Ellen C. Camp
O convite para dirigir o filme surpreendeu Schurmann. "Eu pensei: 'Caramba, mas, pera aí, eu tô aqui em Hollywood, tendo uma reunião com eles sobre uma história lá na Ilha Grande'. Que loucura é isso", recorda o diretor. A justificativa dos produtores americanos foi a busca por autenticidade: por ser uma história brasileira, fazia sentido que um brasileiro a contasse.
A primeira grande batalha foi convencer o estúdio a filmar no Brasil, já que a produção estava planejada para a Espanha devido a incentivos fiscais. Schurmann, com a ajuda do produtor João Roni, insistiu durante seis meses na singularidade da paisagem local. "Não tem outro lugar no mundo igual. E eu já dei a volta ao mundo algumas vezes, então sei disso", argumentou. A estratégia foi trazê-los para ver com os próprios olhos, e o desfecho foi o esperado: a equipe se apaixonou pelo local e a produção veio para o Brasil.
"Foi muito linda a forma como uma história que é vizinha nossa acabou indo para o outro lado do mundo e a trouxemos de volta", disse.
Sucesso global e uma recepção além das fronteiras
O diretor ainda recebe mensagens de espectadores incrédulos com a veracidade da amizade, questionando: "Mas é verdade mesmo? O Dindim voltou mesmo por anos?". Para ele, essa é a prova do impacto de uma narrativa que mostra a "retribuição" de um animal e uma conexão tão surpreendente.
A estratégia de conscientização ambiental foi cuidadosamente planejada para ser sutil e orgânica. "Eu queria que essa mensagem chegasse às pessoas de um jeito que se conectasse com a emoção. A mensagem ambiental tem que entrar junto com a emoção, porque daí você vai na alma da pessoa. Você manda a mensagem ambiental para a alma", definiu.

David Schurmann, Seu João e o elenco do filme inspirado na história do pescador com o pinguim Dindim
Foto: Laura Campanella
O filme já carrega a questão ambiental em sua premissa --o pinguim é resgatado após um vazamento de óleo--, mas Schurmann introduziu cenas simbólicas baseadas em observações reais na Patagônia, onde viu pinguins coletando lixo. Uma delas mostra o pinguim guardando plásticos em seu ninho e "presenteando" os humanos com uma garrafa. "Para mim era um simbolismo tipo: 'Aqui, ó, tá aqui de volta a seu lixo, tá vendo? É um presente, mas olha o que que você tá fazendo' ", descreveu o diretor.
A mensagem ambiental
Para Schurmann, a história de Seu João e Dindim vai além de uma simples amizade: ela ilustra uma lição fundamental sobre a conexão humana com a natureza: "As pessoas se separam do meio-ambiente, elas acham que o meio ambiente é lá e ela é aqui. Só que elas esquecem que somos 100% dependentes do meio ambiente, fazemos parte dele."
Ele cita a falta de fronteiras no impacto ambiental como um exemplo da urgência para a sociedade repensar a preservação dos oceanos: a descoberta de lixo plástico em lugares remotos, como a Ilha Henderson, próxima ao Ponto Nemo --local mais remoto do planeta Terra, situado no meio do Oceano Pacífico."
"Lá tinha lixo humano plástico vindo pela correnteza", relatou, destacando que o problema não se restringe às áreas costeiras. "O que chega aqui, às vezes, vem de outro lugar do mundo. Hoje [o lixo] tá em absolutamente todos os lugares do planeta", enfatizou, sublinhando a escala global do problema.
O legado do Seu João
Quanto ao protagonista real da história, Schurmann tem boas notícias. "O seu João está super vivo, acolhendo todos os tipos de animais", comemora o diretor, afirmando que o pescador foi finalmente e justamente remunerado. "Ele está muito feliz e se tornou uma grande celebridade na ilha. As pessoas vão do mundo inteiro para visitá-lo". A consagração internacional veio quando a produção, em parceria com a Embratur, levou Seu João para a pré-estreia em Los Angeles, nos Estados Unidos.
Segundo o cineasta era crucial valorizar a história: "Esse filme fala do Brasil bonito, mostra um brasileiro fazendo uma coisa linda, potente, emocionante", em contraste com narrativas que frequentemente destacam apenas as mazelas do País.
"Quando a gente chama ele na pré-estreia em Los Angeles, anuncia ele, nossa, o povo fica enlouquecido e no fim da projeção, o cinema inteiro, são quase 700 pessoas, ficam de pé batendo palmas, chorando e aquilo tudo foi para o Seu João. Não foi pro Jean Reno, o ator principal que é uma estrela, foi para o Seu João. Então foi muito lindo".
O reconhecimento começou ainda no voo para os Estados Unidos, em uma cena imprevista que mostrou o poder de contágio da história. Alexandre Moreno, gerente de Comunicação e Relacionamento da ONG Voz dos Oceanos, relembrou o momento em que um comissário de bordo, ao saber da presença do pescador no avião, fez um anúncio a todos os passageiros. "O avião inteiro aplaudiu. Foi muito bonito ver como a história contagiou a todos e como o seu João se reconheceu na tela, reconhecendo também o Dindim. Ele se identificou muito e ficou bem emocionado."

David Schurmann e Seu João nos Estados Unidos
Foto: Laura Campanella
Além disso, a pré-estreia em Ilha Grande atraiu um público tão grande que o filme precisou ser exibido por dois dias consecutivos.
Questionado sobre a autenticidade do filme, Schurmann garante que o respeito ao meio-ambiente e aos animais foi primordial. "Isso era fundamental", afirmou.
A produção contou com a supervisão de ONGs ambientalistas durante todas as filmagens e com um treinador especializado em pinguins para lidar com os animais que interpretaram Dindim. Além disso, seguiu um rigoroso protocolo que exigiu controle de ruídos, iluminação e horários, priorizando sempre o bem-estar dos animais. O Aquário de Ubatuba cedeu os pinguins "protagonistas" e montou uma estrutura que incluía piscinas e freezers abastecidos com sardinhas.
Meu Amigo Pinguim está disponível, por meio de assinatura ou aluguel, nas plataformas Youtube, Amazon Prime Video e Google Play Filmes e TV.

Seu João ficou conhecido no mundo todo pela sua linda história de amizade com Dindim
Foto: Laura Campanella