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Acauã, no semiárido do Piauí, registra um número alto de casos de ataxia de Friedreich, doença genética rara que afeta coordenação motora, coração e sistema nervoso. A cidade de 6,5 mil habitantes tem 38 pessoas diagnosticadas, incluindo o prefeito.
Acauã, no semiárido do Piauí, vem chamando atenção por conta do número elevado de casos de ataxia de Friedreich. A doença genética rara afeta a coordenação motora, o coração e o sistema nervoso. Segundo o colunista Carlos Madeiro, do UOL, a cidade tem apenas 6,5 mil habitantes.
De acordo com a Associação Brasileira de Ataxias Hereditárias e Adquiridas, 38 pessoas da cidade foram diagnosticadas com a doença. No país, há cerca de 800 casos cadastrados. O único remédio disponível custa R$ 199 mil — sem considerar impostos — e não é oferecido pelo SUS.
“Essa alta incidência em Acauã é resultado dos casamentos entre parentes. A doença é genética e hereditária, foi trazida pelos portugueses. Localizei 38 pessoas com a doença no município só no boca a boca via WhatsApp”, afirmou Amália Maranhão, diretora da Abahe.
Entre os pacientes está o prefeito Reginaldo Raimundo Rodrigues (PSD). Ele participou de um mutirão do projeto “Raros Piauí em Movimento” e contou como é viver com a doença: “Eu levanto todo dia 5 horas da manhã, tem dia que é melhor que o outro. Mas tem dia que, quando a gente levanta, caça os pés e não acha”.
Mutirão feito na cidade de Acauã. (Foto: Arquivo pessoal)Durante o mutirão, 20 adultos com suspeita da doença fizeram exames genéticos. Todos deram positivo, segundo Patrícia Tito, coordenadora do Raros Piauí. “Já tínhamos seis casos confirmados por exames antes. Agora em dezembro vamos voltar para fazer mais exames. Em regra, são pessoas de baixa renda, mas com muita força para lutar e trabalhar”, explicou.
A neurologista Bárbara Márcia Rocha Sousa, especialista em distúrbios do movimento, acompanha pacientes da cidade. Ela explicou que os sintomas começam com dificuldade de coordenação e evoluem para problemas de equilíbrio, fala, coração e coluna: “Aí vem falta de equilíbrio, alteração na fala, problemas cardíacos e deformidades na coluna. Por se tratar de uma doença rara e pouco conhecida, ainda há um atraso no diagnóstico por aqui, além da falta de fluxo definido para atendimento desses pacientes via SUS”.
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Maria dos Humildes de Macedo, 47 anos, é uma das pacientes. Ela recebe auxílio do INSS há três anos. “Eu trabalhava na roça, hoje não aguento mais. Há muitas coisas que até os 43 anos fazia, e hoje não consigo mais. Eu não consigo mais subir degraus, caminhar muito”, lamentou.
Maria disse que os primeiros sintomas apareceram aos 35 anos, com dificuldade na fala em momentos de emoção: “A voz sumia. Agora aos 40 anos senti as pernas ficando fracas, sem força. Aqui tem muitos da minha família com esse problema: primos, tios. Inclusive dois irmãos do meu pai já faleceram e tem um cadeirante. Tenho um tio que tem quatro filhos com ataxia”. A paciente é prima do prefeito da cidade e filha de dois primos de terceiro grau.
Paciente Maria dos Humildes de Macedo. (Foto: Arquivo pessoal)Marcondes França, professor de Neurologia da Unicamp, explicou ao colunista do UOL que a doença é autossômica recessiva. Para manifestar a condição, é preciso herdar a cópia defeituosa do gene da mãe e do pai: “O padrão dela é de herança autossômica recessiva. Para que a pessoa desenvolva a doença, é preciso receber a cópia do gene defeituoso de mãe e pai. Então, ela tem uma incidência maior onde há casamentos consanguíneos”.
A expectativa de vida média é de 40 anos. “O problema vem com a progressão do quadro neurológico: a pessoa perde a coordenação motora, e em 11, 12 anos após os primeiros sintomas acaba indo para a cadeira de rodas. A doença também atinge outros órgãos, pode causar cardiopatia, problemas ortopédicos, desenvolver diabetes. Ou seja, ela não mata diretamente, mas gera enfermidades que acabam encurtando a vida”, explicou o especialista.
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O skyclarys é visto como esperança pelos pacientes: “A gente não tinha nada efetivo, e esse medicamento consegue retardar a evolução e, em princípio, é bem interessante para os pacientes, principalmente para aqueles que recebam em uma fase precoce da doença. O problema é que não temos dados de longo prazo, que estão sendo construídos a partir de agora. Mas por ser a primeira opção terapêutica, quanto mais cedo puder tomar, melhor”.
Amália Maranhão explicou que ainda há barreiras para contabilizar casos: “Isso aumentará a visibilidade e a luta para incorporação ao SUS do remédio”. O Brasil é o segundo país com mais casos da doença, atrás apenas dos Estados Unidos. A aprovação do medicamento pela Anvisa, em abril, trouxe esperança aos pacientes.
Frasco de skyclarys. (Foto: Divulgação)A diretora da Abahe também acompanha seu filho, que tem ataxia e que mora fora do país, ao longo de dois anos. “Ele foi o primeiro participante do estudo nos EUA e toma até hoje. Os números dele na avaliação neurológica são quase os mesmos de oito anos atrás. A gente já está atrasado em relação aos Estados Unidos. No caso do Brasil, quem tem dinheiro vai lá e compra, mas da nossa lista, só tem uma pessoa que conheço que tem condição de comprar. Os demais, não“, explicou Amália.
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Sem o remédio pelo SUS, alguns pacientes entraram na Justiça. Priscilla Mourão, advogada responsável pelos primeiros pedidos disse que tem “outras três ações pedindo o skyclarys, e uma já com decisão favorável, mas ainda aguardando a efetivação”.
A Biogen Brasil, empresa responsável pelo fármaco, informou que o preço máximo ao consumidor é R$ 199.968,10, referente a frasco com 90 cápsulas de 50 mg. O tratamento recomendado é de 150 mg por dia (três cápsulas). O Ministério da Saúde confirmou que não houve pedido de aprovação na Conitec e que oferece acompanhamento especializado em 37 serviços de referência para pacientes com ataxia de Friedreich em todo o país.
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