Afinal, o tempo existe? Físico explica

há 1 dia 2
ANUNCIE AQUI

Uma vez alguém perguntou ao astrônomo italiano Galileu Galilei: “Quantos anos o senhor tem?”. “Oito ou dez”, respondeu Galileu, exibindo sua longa barba branca, em evidente contradição.

Ao ver a estranheza no olhar do seu interlocutor, Galileu logo explicou: “tenho na verdade os anos que me restam de vida, porque os já vividos não os tenho mais”.

Article Photo

Article Photo

Você já notou como o tempo muda de textura? Às vezes parece um mingau grosso, quando estamos presos no trânsito ou em uma reunião infinita, e às vezes escorre rápido como um sorvete derretendo, ou quando estamos em boa companhia. Essa elasticidade é real, ao menos para o cérebro. Mas e lá fora? O tempo existe de verdade, como um rio que corre do passado para o futuro? Ou “passar” é só um jeito humano de descrever mudanças?

Na física, o tempo nem sempre foi um grande mistério: era apenas o palco em que tudo acontecia. Newton o via como algo universal, absoluto que avançava igual para todos, um relógio perfeito no fundo do cosmos.

Mas aí veio Einstein e bagunçou, ou melhor, aperfeiçoou essa ideia. O tempo, descobrimos, não é absoluto: cada observador carrega o seu, e ele corre mais devagar ou mais depressa dependendo da velocidade e da gravidade. Relógios em satélites de GPS, por exemplo, “adiantam” um pouco em relação aos nossos aqui embaixo, e é preciso corrigir isso para que o mapa do celular não te mande para o lugar errado.

Mas o mais curioso é que as leis fundamentais da natureza, das equações de Newton às da mecânica quântica, não distinguem passado de futuro. Se você filmasse duas partículas colidindo e passasse o vídeo ao contrário, a física não perceberia. As equações funcionariam do mesmo jeito. Nada nelas obriga o Universo a ter uma “seta do tempo”. Mesmo assim, o café esfria, o gelo derrete e os ovos quebram, nunca o contrário. Por quê?

A resposta está na entropia, a medida da desordem, ou melhor, do número de maneiras diferentes pelas quais um sistema pode se organizar. Uma xícara de café misturada tem muito mais formas de existir do que o mesmo café com o leite perfeitamente separado. Por pura estatística, sistemas isolados tendem a evoluir para estados mais prováveis, isto é, de maior entropia. É daí que nasce a irreversibilidade das coisas: não porque as leis a exijam, mas porque o caos é mais provável do que a ordem.

E por que, então, o Universo começou tão ordenado? Essa é uma das perguntas mais profundas da cosmologia. O fato de o cosmos ter surgido com uma entropia extremamente baixa é o que permite que ela cresça, criando uma direção do tempo: o passado é o de menor entropia, o futuro é o mais provável. A expansão do Universo, o nascimento de estrelas e planetas, tudo isso é o desenrolar dessa história, numa sucessão de causas e efeitos.

Há outro tipo de tempo, o tempo que sentimos. Nosso cérebro não vive o mundo em quadros isolados, e sim em uma pequena janela de integração — uma espécie de “presente contínuo” que dura alguns segundos, em que sons, imagens e sensações se juntam em uma narrativa coerente. Por isso percebemos um acorde musical como uma unidade, e não como notas separadas. O “agora” é, literalmente, uma construção neural.

Nós lembramos o passado, mas não o futuro. Registrar memórias gasta energia e reorganiza sinapses, gerando calor. É a flecha da termodinâmica atravessando o cérebro: seres vivos são sistemas abertos que exportam entropia para manter a própria ordem. A vida, no fundo, é um redemoinho de organização temporária sustentado pela luz do Sol.

E o tempo psicológico, esse que voa quando estamos felizes e se arrasta quando estamos entediados, depende da atenção. Quando estamos em “flow”, a percepção de duração se comprime; na ansiedade ou na monotonia, ela se estica. Nossos relógios internos oscilam com emoções e contextos, distorcendo o que chamamos de “ritmo da vida”.

No fim, tudo depende do que queremos dizer com “existir”. Como estrutura matemática, o tempo está nas equações. Como fluxo absoluto, não há sinal dele em lugar algum. Como direção emergente, sim: a entropia dá o rumo a que o cotidiano obedece. E como experiência, o tempo é bem real — um agora tecido pela mente, sustentado pela física e temperado pela biologia.

Talvez a pergunta mais honesta não seja “o tempo passa?”, mas “o que muda quando tudo muda?”. O palco é o espaço-tempo; a direção, a probabilidade; e a narrativa, nós é que inventamos. O tempo, afinal, pode não ser um rio correndo fora de nós, mas um verbo que a matéria conjuga quando se reorganiza, e quando, caprichosa, inventa ilhas de ordem para poder contar uma história.

Ler artigo completo